Nesse ano a Páscoa na casa da Leonor não ia ser como os demais anos.

– Fatinha, já foste encomendar o carneiro ao talho do Sr. Amadeu? Todos os anos aquela lufa-lufa para domingo, o mais domingo de todo o ano.

Duas semanas antes, a casa era virada de pernas ao ar, janelas abertas, cortinados lavados, camas arredadas para se limpar as paredes, colchão virado, rendas mudadas, chão lavado com sabão amarelo, era este aparato em todas as divisões. Eis chegada à sala de receber o Senhor, aí é que nem uma ponta de pó se iria ver, pois o que iriam dizer os convidados e logo a Leonor, que só de olhar para ela se via uma mulher toda escafunada.

Se a pintura da casa tivesse alguma esfoladela a parecer mal, mãos à obra, um balde de cal e tudo ficava perfeito.

Entretanto já os folares estavam encomendados em Vale d’Ílhavo como manda a tradição, uma garrafa de Vinho Fino e as amêndoas compradas na loja do Otávio. Na visita pascal nada haveria de faltar.

Que bonitas estavam as flores no pequeno jardim, todos os anos depois da quaresma as mulheres que zelavam a igreja, pediam em algumas casas flores para enfeitarem os altares, era um orgulho olhar aquelas jarras, tudo trabalho de todas. Já cheirava a primavera e os raios de sol até já davam um certo calor à vida. Navios vinham de regresso, havia som e movimento, um chamamento ali, uma converseta entre amigos e um abraçar entre família.

Este ano haveria Páscoa, a comida tinha que se fazer, a casa seria arrumada e limpa, as flores cresceram no jardim, mas nada se iria partilhar, as ruas estavam desertas, não se ouviam miúdos nem gargalhadas, as igrejas estavam com as portas cerradas, mas ia haver Páscoa, porque ia haver um renascimento, uma esperança e uma primavera espreitando, era o tempo dela. Três dias antes do dia grande, a Fatinha, habilidosa de mãos, pendurou um lindo ramo de flores na porta de casa, varreu a soleira e pensou que tudo não passava de um sonho, mas não foi sonho e esperou a chegada de um milagre, esse milagre ainda não chegou e se vier irá ser com esperança e muito lentamente. No domingo o sino tocou Aleluia, mas sem alaridos, sem família, sem amigos, mas viveu-se e no final a garrafa de Vinho Fino foi aberta e a fatia do folar deu para enxugar uma certa nostalgia, saudade. Em todas as alturas más os homens e as mulheres tem que se apegar a alguma coisa e foi a esse crer que todas as ruas, becos e casas se uniram e como sempre haverá mais marés que marinheiros, vamos esperando por outra Páscoa, por crianças a brincar nas ruas, por homens a conversar enquanto o jantar não está na mesa e a igreja abrir de novo as suas portas e as flores do jardim da Leonor irem enfeitar  os altares, então irá ser novamente aquela época do renascer.

E foi assim e irá ser sempre assim na casa da Leonor, sempre haverá vida e com a vida uma esperança que mesmo longe de alguém, estamos perto, mas muito perto do coração.

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