Por Pedro Pereira
Natural de Ílhavo, Henrique Vilão é um realizador, performer, vídeo artista e músico experimental. Estudou jazz e é licenciado e mestre em Cinema pela Universidade da Beira Interior. Atuou em diversos espaços culturais e festivais de música e arte sonora em Portugal. Os seus vídeos monocanal e vídeo instalações foram exibidos em diversas galerias, exposições e festivais.
Como se desenrolou o teu processo artístico, durante a pandemia?
Durante o período de confinamento comecei a fazer e a partilhar esta série de trabalhos, a que chamei sounds of suspension. Quando dei conta comecei a ficar um bocado obcecado e a obrigar-me a fazer um por dia. Fiz 24, num ritmo quase diário. Entretanto já não estão públicos, até porque um deles faz parte da coleção da Liburia Records e também porque irão passar no outono na íntegra na rummage radio. A rummage radio é uma rúbrica dedicada à soundart e à música experimental na radio WQRT-LP 99.1 FM, de Indianapolis.
Um destes trabalhos da série sounds of suspension, que se chama “It tolls for thee”, numa citação do poema “No man is an Island” do John Donne, foi selecionado pela Liburia Records, uma editora de Nápoles, para o Sound diaries in quarantine time, um álbum de dois volumes que reúne composições electro acústicas criadas durante o período de confinamento por diversos artistas de todo o mundo. Entretanto assinei pela Label, pelo que sou um Liburia artist para coisas fora de Portugal.
Fala-nos um pouco sobre The days will be of togetherness:
É um postal sonoro, ou sonorizado, que fiz em colaboração com o artista plástico Fernando Gaspar. Contém um trabalho dele – Casa #3, da série Casa – e um trabalho que eu fiz propositadamente a que chamei Ita est. O Fernando Gaspar é um artista cujo trabalho eu admiro imenso, e que desempenhou e desempenha, graças à sua generosidade e à sua sensibilidade, um papel fundamental na minha formação artística e humana. Tenho a sorte e honra de contar com a sua amizade e também de colaborarmos, ou como eu costumo dizer, conspirarmos juntos com alguma regularidade.
Também sei que estiveste envolvido na Oficina de Criatividade Sonora.
Exatamente. Fui convidado pelo Professor Doutor Heitor Oliveira para participar num episódio do podcast de experimentos sonoros colaborativos desenvolvidos pelo projeto de extensão Oficina de Criatividade Sonora, da Universidade Federal do Tocantins, no Brasil.
Recentemente, concluí um tríptico de videoinstalações, a que chamei knyet project. Trata-se de um trabalho com preocupações sobretudo sensórias e que usa um trabalho muito plástico e sonoro sobre filmes de arquivo, inspirado um pouco pelo artista escocês Douglas Gordon na utilização do cinema como matéria-prima para trabalhos com linguagens mais contemporâneas. Em princípio, e dependendo da evolução do contexto atual, será exibido até ao final do ano.
Quais são os fundamentos essenciais do teu trabalho atual?
O (John) Cage tem esta frase que resume no fundo a minha busca dos últimos tempos no que concerne o meu trabalho:
– Quando ouço aquilo a que chamamos de música, parece-me que alguém está a falar. E a falar sobre os seus sentimentos, ou sobre as suas ideias acerca de relacionamentos. Mas quando ouço o trânsito, o som do trânsito—aqui na Sexta Avenida, por exemplo—Não me dá a ideia que alguém esteja a falar. Tenho a ideia que o som está em atividade. E eu adoro a atividade do som […] Não preciso que o som me fale. –
Assim, tenho-me afastado cada vez mais dos conceitos por exemplo, de melodia, tema ou canção, embora não enquanto ouvinte claro. De uma forma análoga, também não preciso que uma imagem me conte histórias ou represente algo. Ela é matéria com atividade própria. Procuro assim trabalhar a imagem nas suas dimensões não representativas. Por conseguinte, tenho-me afastado também da linguagem presente no que se pode chamar de cinema representativo narrativo industrial.
A última vez que ouvi algo teu foi relacionado com o projeto Zuhk…
Zuhk é o meu projeto performativo a solo, que no fundo é uma extensão performativa de tudo isto que falei para trás, as ideias e os trabalhos. Dei-lhe este nome primeiro para distinguir este projeto de outros colaborativos, e depois, por ser assumidamente nonsense, indo ao encontro da ideia de uma certa recusa de definições narrativas para o meu trabalho. Além dos princípios sonoros que já mencionei, o grande conceito unificador aqui é o da improvisação absoluta, pelo que cada performance é irrepetível, ainda que esteja enquadrada numa teia conceptual clara. Recentemente, e devido não só ao cancelamento de algumas atuações em agenda, mas também, à noção de que o circuito underground que habito irá demorar muito mais tempo a reabrir que o mainstream, decidi fazer um direto no Youtube. Foi uma experiência interessante para mim, não só pelo desafio técnico, mas também porque desta forma consegui conectar-me com espectadores/ouvintes em diversos países europeu, na América do Norte e no Brasil, que dificilmente teriam acesso a uma performance presencial minha. Devo dizer que o feedback, interesse e carinho que recebi foram comoventes.