Como está a correr o festival João d’Almeida?
João Anjos – Temos tido uma média de 120 pessoas na plateia por cada sessão. Está a correr bem. Os parceiros são os mesmos do ano passado. A fábrica da Vista Alegre criou-nos uma peça única para o festival, ou seja, todos os grupos que cá vêm recebem um galardão. A Câmara Municipal é nossa parceira durante o ano inteiro, com um acordo protocolado onde está inserido o festival. O 23 Milhas funciona com a parceria da logística da sala, se bem que todo o equipamento técnico com que nós fazemos o festival é próprio do grupo. A parte de assistentes de sala, bilheteira, secretaria, é tudo feito pelo 23 Milhas. E a Junta de Freguesia de São Salvador, também é protocolado durante o ano e integra o festival.
Quais as origens do festival?
João Anjos – Eu vim em 1992, 1993, e nessa altura criou-se o festival de teatro Ribalta. Para um grupo amador o festival é muito interessante, porque faz com que nós vamos a outros sítios apresentar o que nós fazemos. O festival funcionava muito bem e a ideia era essa mesmo, irmos fora para mostrar o que fazemos. Quando fizemos esse festival víamos isso mesmo. bem recebidos fora, recebíamos as pessoas cá. o festival teve um ano ou dois na mão do Ribalta.
Na altura, o presidente da Câmara, engenheiro Agostinho Ribau Esteves, achou que o festival tinha de crescer e começou a dar mais apoio. Depois passou a ser totalmente da Câmara. O Ribalta entretanto deixou de estar no ativo e depois mudaram-lhe o nome, e ultimamente o festival, na nossa opinião, ficou desvirtualizado como festival de teatro amador. Portanto passou a uma mostra de teatro e para o Ribalta não era esse o interesse. O interesse era trazer pessoas cá que de outra forma os ilhavenses nunca iam ver. Quisemos homenagear João D’Almeida de uma forma singela uma pessoa que foi muito na Vista Alegre, foi muito em Ílhavo e foi muito para o Ribalta. E também foi muito para mim, porque foi o meu primeiro encenador.
Como surgiu o Ribalta?
João Anjos – Existia um grupo cénico dentro da fábrica da Vista Alegre, onde os trabalhadores vinham ensaiar e preparar as peças, para depois as apresentarem. Quando em 1988 se começou a formar um grupo de jovens que deu origem ao Ribalta, foi João D’Almeida que dizia que tinham que se desvincular da empresa, para ter autonomia. O teatro é liberdade, e eu acho que ele queria pôr em cima do palco aquilo que ele quisesse apresentar e que não houvesse a fábrica a dizer que não podia. Então em 1988 criaram uns estatutos, que acho que nunca chegou a ir a Diário da República, e em 1992 então deram mesmo o passo e registaram o grupo no Diário da República e nas Finanças.
Como é que o grupo evoluiu?
João Anjos – Como qualquer associação, temos tido a capacidade ou a sorte de isto não cair. Mas era tudo um grupo de jovens que cresceram juntos e tinham uma paixão pelo teatro, mas tanto homens como mulheres foram crescendo e deixaram de ter tanta disponibilidade. Em 2007, o grupo estava pobre de pessoas, não havia quem continuasse. Então, em 2007, deixou de se fazer peças. Mesmo a fábrica não passou por momentos bons. E o Ribalta abrandou e esteve parado até final de 2012, quando nós fomos falando com as pessoas tentando cativar, percebendo como é que se fazia para o teatro estar outra vez a funcionar. Conseguimos fazer uma festa da Vista Alegre, e, de repente, sem nada que esperássemos, vinha no jornal O Ilhavense a notícia que a Câmara tinha feito um contrato de comodato com a empresa e iriam revitalizar o espaço do Teatro da Vista Alegre.
Quantas pessoas integram o grupo?
João – Nós temos 39, 40 pessoas. Dessas, temos 24, 26 no ativo. Temos 20 alunos na escola de teatro, dos 6 aos 18 anos. Temos alunos da escola, que já estão desde 2014, desde os 6 anos de idade, mas também temos alunos, que fazem um ano e no ano a seguir não estão. A ideia é que eles um dia sejam membros do grupo de teatro.
Como é gerir um grupo de teatro amador?
João Anjos – É desafiante. O que mais nos complica a vida é a disponibilidade das pessoas. Enquanto todas as pessoas antigamente tinham o sábado livre, a maior parte, hoje, trabalha de manhã ou o dia todo. Enquanto antigamente, as pessoas saíam às 5 da tarde, hoje todos saímos às 6:30, 7 horas e quando chegamos a casa, a maior parte ainda tem trabalho para fazer, fora as famílias. Isso é a pior parte. Depois, a parte fácil. As pessoas que cá andam, andam porque gostam. E quando gostam, remamos todos para o mesmo lado. As pessoas que aqui andam têm gosto. Nós fazemos ensaios três vezes por semana e andamos meio ano a colocar uma peça em cena. Essa é a parte gira, porque nós confraternizamos, conhecemo-nos, limpamos a cabeça dos nossos trabalhos, saímos do sofá. Somos uns privilegiados. Neste momento já estamos a passar por três executivos camarários com três vereadores da cultura e até hoje não tivemos problema nenhum. Temos o espaço, que é da autarquia, temos apoio financeiro, temos apoio se tivermos uma ideia louca, como o Festival. As contrapartidas são o nosso trabalho, o que nós temos feito.
Diogo Lau – Essa dificuldade dos dia a dia que nós vivemos, quando começamos um projeto é difícil termos as pessoas disponíveis para o realizar. Mas depois, tendo as pessoas, com mais dificuldade ou menos, conseguimos sempre levar o projeto até ao fim.
João Anjos – Temos aqui uma desvantagem que é sermos da Vista Alegre. Não temos um espaço próprio. Temos uma casa cedida pela empresa, onde nós temos tudo, desde os cenários, aos adereços ao escritório. Não temos forma de arranjar um espaço. Porque o investimento para um espaço próprio é impensável. Mas nós somos da Vista Alegre. É aqui que nós temos as nossas raízes, é aqui que nós temos o teatro. Não tem fundamento a autarquia ceder-nos um espaço fora da Vista Alegre, mas dentro da Vista Alegre também não tem essa possibilidade, porque é a empresa que gere o espaço. Andamos há anos a tentar que eles se entendam e que a gente consiga um espaço protocolado.
Como é a relação com o 23 Milhas?
João Anjos – O nosso teatro não está incluído no cartaz do 23 milhas. Não se enquadra. O que eu acho errado, mas não se enquadra. Não deixam de ser nossos parceiros, não deixamos de ter uma boa ligação. Só que, nós temos uma média de 120 pessoas em festival e uma média de 160 pessoas por atuação aqui, e depois vejo alguns espetáculos feitos pelo cartaz do 23 Milhas, e isto não é uma crítica, em que temos 30, 35 pessoas. Eu falei várias vezes com o antigo diretor, o Luís Ferreira, que dizia que a gente tem que dar a cultura às pessoas. Elas têm que aprender a gostar. Eu concordo, mas se a gente tiver a assar uma sardinha só de um lado, ela vai queimar e o outro lado fica cru. Também acho que aquilo que nós fazemos também é cultura. Isto é um estigma
E para o futuro?
João Anjos – Em questão artística, o mais longe que eu consigo ver é até 2024, que vamos fazer um projeto para apresentar no bicentenário da Vista Alegre, em 2024. Estamos também a trabalhar numa exposição, que ainda não sabemos de que forma.
Num futuro curto, temos uma peça com o Rotary Clube. Temos agora cinco saídas seguidas de intercâmbio e em julho temos certamente a estreia de uma peça.
Pretendíamos ter um espaço protocolado connosco. Uma sede onde pudéssemos ter as nossas coisas e que não tivéssemos sempre com o coração nas mãos.
Querem deixar uma mensagem aos ilhavenses?
João Anjos – Não se faz teatro sem público. Isto é feito para o público.
Quando abrimos a porta ao público, é isso que nos motiva para andar cá, por isso, venham ao teatro.
Publicado no jornal O Ilhavense de N.º1312 de 1 de novembro de 2022