O pão é um dos alimentos mais antigos e populares em todo o mundo. Antigamente, era produzido em casa ou em fornos comunitários a lenha e, por norma, em quantidade suficiente para uma semana; mais tarde, habituámo-nos a comprar pão nas padarias a um ritmo quase diário; nos dias que correm, com a necessidade de confinamento, o fabrico e consumo de pão está a regressar às origens.
A julgar pela escassez de farinha e fermento em algumas superfícies comerciais e pelas fotografias partilhadas nas redes sociais, há cada vez mais pessoas a fazer pão em casa. Trocam-se receitas, discutem-se tempos de cozedura, as melhores farinhas, o segredo para uma côdea estaladiça, e inundam-se Facebook e Instagram com deliciosas fotografias de pão, quase sempre acabado de sair do forno. Já há quem, por brincadeira, apelide este fenómeno de “pãodemia”.
Amassar e cozer em casa é uma boa forma de reduzir as saídas à rua, mas o motivo desta pequena revolução pode ser outro: o tempo, esse ingrediente extra que, para muitos, abunda mais do que nunca, que urge ser ocupado e que é essencial à confeção do pão.
Quem não tem tempo a perder são as moagens que, por estes dias, têm registado um “claro aumento na procura de farinhas por parte de particulares”. Quem o diz é Mário Nunes, 33 anos, um dos responsáveis pela Moagem Carlos Valente, em Vale de Ílhavo, e Urbino Grave, 80 anos, dono da Fábrica de Moagens Grave, na mesma localidade. “Ainda há dias aviei 38 pessoas que vinham à procura de farinha para fazer pão em casa”, conta Urbino. Noutra ocasião recente, recorda, atendeu um cliente que, de uma só vez, lhe comprou 150 quilos de farinha. “Levou farinha para ele, para os pais, para a irmã e para um tio. Todos queriam fazer pão em casa”. A Moagem Carlos Valente, por seu turno, muito à conta da aposta no online, tem “enviado farinha para muitas zonas do país”.
O fenómeno do pão caseiro tem vindo a espalhar-se por todo o lado e, nestas modas, as partilhas de uns influenciam a adesão de outros. Alguns destes “padeiros de improviso” seguem receitas antigas, outros aventuram-se em confeções “a olho”, mas Mário não deixa de atribuir relevância ao papel que alguns influencers – produtores de conteúdos digitais cuja autoridade em determinado assunto é reconhecida pelos seus seguidores – têm tido na disseminação da tendência. “Eles [os influencers] experimentam, provam, aprovam o produto e, depois, a forma como o divulgam tem um reflexo importante na procura”, assegura o jovem empresário.
Por outro lado, aponta Mário, “há muitas pessoas que vêm à procura de um produto mais saudável”. “As farinhas moídas em mó de pedra, de forma lenta e artesanal, apresentam características nutricionais diferentes [daquelas que se encontram habitualmente nas grandes superfícies]” e, para muitos, isso é uma condição determinante.
A Fábrica de Moagem de Urbino Grave continua aberta ao público, mas, seja ao balcão ou no escritório, só atende um cliente de cada vez, tendo estipulado uma zona ampla para, em caso de necessidade, servir para uma espera abrigada. Quanto à Moagem Carlos Valente, também mantém atividade, mas à porta fechada. “Pedimos aos clientes para entrarem em contacto connosco, por email ou através das redes, e fazerem a sua encomenda. Nós preparamos tudo e marcamos uma hora para o cliente vir levantar à porta da Moagem, garantindo sempre o mínimo contacto possível”, informa Mário.
No que às encomendas de padarias e pastelarias diz respeito, esta nova tendência de os consumidores fazerem o seu próprio pão ainda não teve um impacto significativo. Pelo que Mário se tem apercebido, “as pessoas continuam a sair à rua para comprar pão” e aquelas que têm optado por amassar e cozer em casa “não o têm feito a um ritmo diário”. No entanto, reconhece Mário, nota-se que “as padarias e pastelarias não estão a produzir nas mesmas quantidades que anteriormente”.
Maria Santos, da Padaria e Pastelaria Galeota, na Gafanha de Aquém, assume uma “ligeira redução na quantidade” de pão produzida, mas diz que o que tem afetado mais o negócio nestes tempos de emergência é “o facto de haver menos clientes à mesa”. “Tem sido muito complicado”, admite.
Também na Padaria e Pastelaria Flor da Gafanha, junto à igreja matriz da Gafanha da Nazaré, “os últimos dias têm sido muito maus”. Lurdes Castelhano lamenta a falta de clientela e estima uma “quebra nas vendas na ordem dos 70%”. “Estávamos habituados às pessoas virem cá lanchar, a passarem por cá depois das missas ou da catequese. Isso tudo acabou”.
Com maiores ou menores dificuldades, as padarias continuam de portas abertas, mas o fenómeno da “pãodemia” não lhes é alheio. Lurdes tem vindo a reparar que os clientes “têm comprado muito fermento para fazer pão em casa”. Na visão de Maria, contudo, este é um fenómeno passageiro, até porque “fazer pão em casa, todos os dias, não é uma opção rentável pelo elevado custo que acarreta. Não compensa. Só a fatura da luz seria uma loucura”.