Por António Bagão Félix
É frequente qualificar, disparatadamente, a velhice como um problema. Pelo contrário, a velhice deve ser considerada como um importante sinal de progresso e de enriquecimento civilizacional.
O paradoxo desta notável evolução, porém, é a constatação de que a velhice é, não raro, desqualificada, desconsiderada e mesmo preconceituosamente discriminada, num tempo em que há o culto por tudo o que é novo, futuro e fugaz, ao mesmo tempo, que se desvaloriza o que é velho, antigo e perene.
Já lá vai o tempo em que se dizia com sábio gosto popular que velhos são os trapos ou se falava de uma velha tradição, de uma velha amizade ou se chamava carinhosamente o pai por meu velho. Hoje propende-se a exaltar muito mais as novas ideias, um novo produto ou uma nova técnica.
Ser velho, idoso ou ancião começa por significar a idade em que, na pessoa humana, o ser assume, em definitivo, primazia sobre o ter e o estar.
A ancianidade enfrenta, de uma maneira por vezes demasiado dura, uma sociedade que reflecte alguma desarmonia geracional produzida por uma estrutura social cada vez mais dual e bipolar (vencedores vs. perdedores; empregados vs. desempregados; velhos vs. novos; litoral e cidades vs. interior e aldeias).
É visível uma organização do trabalho que cava um fosso preocupante entre actividade laboral e inactividade. Por isso, é necessário cuidar com atenção e respeito humano – e não meramente do lado produtivista – a passagem da vida activa para a reforma.
Numa sociedade harmoniosa, a condição de idoso deveria ser sempre protegida. O apoio à preparação para a reforma activa implica a criação de condições legais, sociais e de infra-estruturas que a tornem um espaço de renovada liberdade e não uma espécie de eutanásia social. É preciso, pois, evitar o indesejável efeito-guilhotina do risco da passagem abrupta do sentimento de utilidade para um purgatório de inutilidade.
Valerá a pena pensar na introdução da figura de reforma parcial nos anos que antecedem a idade legal de reforma. Assim, haveria ganhos repartidos: para o trabalhador que poderia gerir melhor a passagem para a inactividade laboral, para a empresa que assim poderia continuar a aproveitar a experiência e a redistribuição de saberes profissionais dos mais velhos para os mais novos, e para a Segurança Social que teria, temporariamente, menores custos.
A passagem da situação de plena actividade laboral para a de reforma também deve estimular formas de ocupação comunitária ou voluntária socialmente desejável e útil, bem como o uso de novos meios de teleactividade, proporcionados pelas novas tecnologias digitais.
Interessante é referir a ascensão, que será vertiginosa nos próximos decénios, dos chamados mercados seniores, no domínio das necessidades assistenciais, geriátricas e cuidados de longa duração ou no lazer, transportes, cultura e naquilo que já é designado como gestão prateada da vida, que permitirá que as pessoas mais velhas deixam de ser exclusivamente consumidores sociais passivos e possam ter condições para uma gestão mais activa e preventiva das suas necessidades.
Desta forma poderemos passar do conceito mais restrito de população activa para a ideia mais alargada e mais solidária de sociedade activa, em que os mais velhos, depois de uma vida de trabalho, não sejam encarados como um passivo ou fardo na sociedade.
Não se podem desperdiçar importantes recursos de que os mais velhos dispõem e que não se aprendem em manuais, porque só pela vida se adquirem: a sabedoria, que é mais do que simples conhecimento; o testemunho que é o resultado da experiência; a memória que se redistribui com as gerações mais novas; a disponibilidade de um tempo mental onde conta mais a dádiva do que o rodar físico dos ponteiros; a partilha, essa conjugação desinteressada do dar sem quitação e sem exigência de troca; a ternura onde não há hierarquias perversas de afectos; a persistência como fonte inesgotável de vontade.
Como dizem os africanos a morte de um velho é como o arder uma biblioteca, a que acrescentaria de uma biblioteca de que só existe um exemplar, o que torna a sabedoria um bem precioso, uma verdadeira universidade da vida.
Não podemos desperdiçar este património humano, cultivando a ideia do velho que, como disse o filósofo grego Sócrates, tem todas as respostas, mas já ninguém lhe faz as perguntas.
A Organização Mundial da Saúde define Envelhecimento Activo como o processo de optimização das oportunidades para a saúde, participação e segurança, para melhorar a qualidade de vida das pessoas à medida que envelhecem.
É neste contexto que as Universidades para a Terceira Idade (ou Seniores) têm sido uma excelente resposta da sociedade civil. Através da sua expansão e desenvolvimento, mesmo que, não raro, em situações de grande dificuldade, são criadas condições para um melhor e mais activo envelhecimento.
Com pessoas e formadores dedicados, têm sido concretizadas diversificadas formas de voluntariado social, de aprendizagem de novas ferramentas informáticas e linguísticas, de criação de expressões literárias e artísticas, de fórum privilegiado para tertúlias, teatro, cinema, palestras, colóquios, entre tantas outras.
Publicado no jornal O Ilhavense de N.º1312 de 1 de novembro de 2022