Não desmerecendo a caminhada, essa fértil forma de locomoção que permitiu aos gregos saber tudo o que nos ensinaram, há certas paisagens que só se revelam verdadeiramente de cima de uma bicicleta ou, imagino eu, de uma mota. São visões cinematográficas que apenas esse voo rasante sobre duas rodas nos coloca perante os olhos. 

Imagino que este seja um sentimento familiar aos entusiastas da Vespa, em destaque na edição de hoje, do Moliceiro Vespa Clube. Uma certa sensação física de liberdade e de um sentido de descoberta que nos são próprios e que o modelo da Piaggio, nascido no pós II Guerra Mundial, da transição da indústria da guerra e da morte para uma economia da vida e da paz, transporta em cada parafuso. 

Em dias de tantas imagens que nos mostram o mundo a viajar num sentido inverso a este, podemos encontrar uma forma de resistência na elegância dos movimentos livres, como aqueles a que assistimos nos Jogos Olímpicos, que soubemos ir aprender aos gregos (esse povo que tanto se fartou, nos vários sentidos da palavra, de fazer a guerra), que nos mostram as infinitas possibilidades do humano, às quais se vão somando modalidades. É vital vermos em toda essa variação o valor da imaginação, da descoberta, que é o oposto do que o tempo parece querer vender-nos. 

E a este respeito, é particularmente inspirador olhar para Simone Biles, no solo e fora dele, e para o que fez pelo modo como vemos os atletas, com as suas fragilidades naturais, trazendo-os de volta ao domínio do humano. Ao contrariar as forças que nos empurram para uma  higienização da imagem que fazemos da vida, ela conseguiu impor uma bem mais autêntica, livre e até heróica. 

É, de facto, essa qualidade humana que nos transporta e nos impressiona: o voo rasante, que só se realiza na relação com o solo, nessa condição terrena, com tudo o que isso implica, que é a resistência da imaginação aos constrangimentos do real. 

Um jornal terá, certamente, de ir cartografando estes movimentos, apresentando os caminhos novos que se oferecem a uma viagem para um lugar melhor – os feitos e as falhas, as promessas e os desaires. Como a Vespa, ele é signo de um movimento livre, e talvez por isso nos agarremos a ambos com as duas mãos e de olhos bem abertos, para podermos, em simultâneo, olhar de frente a realidade e imaginá-la diferente. 

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