Fui hoje, à cidade. Há muito que me mete dó ver a evolução desta terra a que me prendi, que procurei servir, e de quem fui (por sua causa), incómoda personagem para os ”poderes” instituídos (antes e depois do 25 de Abril, o mais insólito…).
Hoje, conhecidos meus, abordaram-me: inquietos com o meu silêncio, acusando-me de ter desertado para a Costa Nova, puxaram-me pela língua. Clarifiquei: o meu silêncio que é para continuar. Não critico (fiz disso, por razões várias, jura minha) o actual remendo, a meu ver absolutamente desnecessário, fruto de errada decisão. O arquitecto selecionado para resolver o intrincado problema, de créditos firmados, bem posicionado para modelar a solução final, tentou resolver o dilema de meter o “rossio na bestega”. Fique desde já claro: sobre a resolução (urbanística) da complexa e despropositada pretensão da CMI, requalificação de uma anterior requalificação, não me quero pronunciar.
A minha posição de discórdia é global e muito, muito, anterior. Abrange o que desde longa data tem vindo a ser feito, desfeito e voltado a ser feito, com evidentes e já sentidas repercussões sobre o panorama social (vivência) que, em vez de integrador, afasta, exclui. Vem esta convicção, desde logo, quando, no início do primeiro mandato de Ribau Esteves, fui convocado para dar opinião a um grupo técnico, então formado (de que fazia parte a UA), sobre as intervenções que julgava essenciais para um futuro novo panorama (e funcionamento) urbano, da comunidade ilhavense, que então, o novo Presidente (R.E.) parecia pretender. Vejamos o que então expressei:
1- A parte histórica da Cidade deveria ser recuperada. Requalificada, beneficiada nos aspectos habitacionais, mantendo as suas traças externas (vindas de longa data) o mais integralmente possível. Insisti então que, seria bom evitar o movimento automóvel no centro da urbe, com a proibição (senão por curtos prazos) de aparcamento no núcleo central da cidade (Rua Arcebispo Bilhano, Espinheiro, Curtidos e afluentes). Construindo cinco/seis parques de estacionamento periféricos (indiquei então os locais). Sugeri a reabilitação da habitação neste centro histórico, impedindo novas frontarias (facto entretanto já em curso na altura) destinando a habitação recuperada a programas sociais, familiares, e ou fins comerciais (de pequena dimensão).
2- Negociar (e adquirir) o “bico” que ia (e ainda vai) da casa Rocheiro à então casa do Laurentino. Estender e criar na área livre que iria do edifício da Câmara Municipal ao Jardim Henriqueta Maia (a manter e regenerar) um Centro Comunitário (ainda não era corrente a palavra Forum) para fins diversificados: comércio, cultura, diversão etc. Encarar como possível, a eventual ligação, e continuidade, à área “Sopanilde” e área anexa, por passagem elevada sobre a 109.
Last but not least….
3- Mais importante: virar a cidade para a ria.
Criando um novo polo de desenvolvimento, de um arrojado plano urbanístico (técnica e arquitetonicamente evoluído) que abrangesse a área que vai da Vista Alegre à Malhada e desta às Ribas Altas, consolidando as margens da ria. E desde logo, estudando a frente ribeirinha da Gafanha de Aquém/Boavista, tratando e intervindo nas áreas entre a estrada e a ria (com margens consolidadas), criando praias, locais de lazer, diversão etc. Intervindo, planificando, na definição das cérceas e volumes das construções a nascer na referida zona.
E talvez levado por mais ambição, encerrei as propostas:
4- A CMI deveria criar na Costa Nova, o museu da RIA E DO MAR (ARTES). E se uma intervenção na ria fosse possível (e foi-a mais tarde, e é-a hoje) criar o circuito lagunar dos TRÊS MUSEUS.
Curioso: mais tarde (no local sugerido) veio a construir-se, na Costa Nova, um edifício de conceito muito duvidoso, pouco entendível, quer na arquitectura (completamente indefinida para a finalidade em vista), a que hoje (premonitoriamente) se chama CAIS. Pouco mais custaria, o sonhado “Museu das Artes”.
Concluindo:
Temos um canal da Ria (canal do Rio Boco), talvez o mais natural, e o mais bonito de outro qualquer. É certo: falta-lhe as marinhas das muitas que já teve. Mas tem (ainda) edifícios que importa perdurar para memória futura (Seca do Bolho, VA, e Palácio dos Botelhos, verdadeiras pérolas históricas, a preservar). A viabilidade de estender a sua navegação a Vagos e (ou) mais a montante, ao Boco, não seria impossível, no futuro.
Porque não ter (então) uma visão alargada, ao invés de insistir em remendos sobre o já remendado, e assim, destruir (pouco a pouco) o que resta da história.
É farta e imperdoável, a insensibilidade. Até quando?
Por Senos da Fonseca