AFONSO RÉ LAU

“Quem quer festa, sua-lhe a testa”. Nas últimas semanas, um grupo de ilhavenses levou à letra este ditado popular e, refletindo sobre a cidade e a comunidade, pôs mãos à obra: escreveu um manifesto, criou uma petição e avançou com uma recolha de assinaturas de todos quantos se revissem nos seus desígnios e reivindicações. A petição “Mude-se!” está em curso e, na altura do fecho desta edição, contava já com mais de 600 assinaturas.

David Calão, primeiro subscritor deste abaixo-assinado, conta que “a ideia terá surgido na última edição do Festival Rádio Faneca” que, principalmente nas noites de sábado e domingo, trouxe ao Jardim Henriqueta Maia e à Calçada Carlos Paião milhares de pessoas de Ílhavo e não só. “Foram noites em que se juntaram ali muitas pessoas que, habitualmente, não estão umas com as outras” e em que o ambiente “ajudou a contrariar aquela ideia de que os ilhavenses precisam de migrar para municípios vizinhos para se encontrarem, para conversarem ou para se divertirem”.

No entanto, apesar da enchente e do clima de festa que se vivia, uma vez que a Câmara Municipal tinha optado por não emitir a licença especial necessária ao alargamento do horário de ruído para além da hora habitual, a música foi desligada abrupta e pontualmente às duas da manhã, todos os estabelecimentos recolheram esplanadas e fecharam portas e o aparato policial, apesar de discreto, convidava as pessoas a dispersar.

Foi este contexto que motivou um grupo de ilhavenses (do qual David faz parte) a agir. “O Festival Rádio Faneca, o Ilustração à Vista, os tradicionais arraiais em época de santos populares ou a festa em honra de Nosso Senhor Jesus dos Navegantes são tudo eventos que, a nosso ver, justificam que a cidade estenda os períodos de ruído e celebração”. Até porque, acrescenta, “as cidades precisam desses momentos”.

Para David Calão, numa cidade como Ílhavo, “não há outra identidade que não a do encontro. Há elementos identitários que até podemos partilhar, mas nenhum é mais forte do que facto de nos encontrarmos e convivermos no mesmo espaço. Se entendermos a cidade como um conjunto de propriedades privadas, então não estamos numa cidade, estamos num condomínio.”

No manifesto que acompanha e contextualiza a petição, os peticionantes defendem “a fomentação do sentimento de pertença e valorização dos espaços públicos enquanto lugares de encontro, liberdade, responsabilidade, celebração e construção da identidade de uma comunidade”. Mais consideram que “a falta de dinamismo jovem verificada [em Ílhavo] deve-se, em grande medida, ao facto de, desde cedo, os jovens ilhavenses verem-se obrigados a deslocar-se para outros municípios em busca de animação noturna que não encontram em Ílhavo” e que “um município que se queira habitado e vivo, com cidadãos ativos, que utilizem o espaço público, que criem laços entre si e com a cidade, que criem projetos e idealizem a cidade do futuro, deve potenciar momentos em que os cidadãos se encontrem e convivam”. No mesmo documento, observam também que “a Calçada Carlos Paião e o Jardim Henriqueta Maia são espaços de encontro noturno por excelência, uma vez que estão preparados para acolher um elevado número de pessoas; garantem, pelas suas características, todas as condições de segurança, conforto, circulação e acessibilidade e estão suficientemente afastados das zonas de maior intensidade residencial”.

(Ler na íntegra na edição em papel.)

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