Comecei a contactar de forma mais frequente o José Manuel Torrão Sacramento no final dos anos 90, após o meu regresso definitivo a Ílhavo, ao começar a publicar uma série de artigos na área da solidariedade social e da educação. Nos anos seguintes, estabelecemos com respeito muitos outros contactos, devido às minhas responsabilidades políticas e autárquicas, sempre com a distância e rigor a que nos impúnhamos.

Posteriormente, a partir de 2013, tive uma presença permanente n’O Ilhavense de uma crónica intitulada “Mestre Salga”, dedicada ao meu saudoso pai. Tive oportunidade de escrever muitos e muitos artigos sobre política local e nacional, com ideias e opiniões fortes, nem sempre consensuais e que afrontavam muitos interesses instalados, nomeadamente no nosso concelho. Perante isso, nunca tive por parte do Diretor, José Sacramento, qualquer crítica, qualquer queixume, bem pelo contrário, foi sempre de uma delicadeza e de uma abertura imaculada. Muitas vezes partilhámos opinião sobre as minhas crónicas, onde ele expressava a sua concordância e discordância, sem qualquer tipo de pressão ou de condicionamento. Sabia que a colaboração era livre e procurava ser rigorosa.

Sobre os editoriais da sua responsabilidade, que escrevia sobre o mundo, o país e a nossa terra, muitas vezes mostrei o meu apoio e muitas outras também a minha divergência, sempre num espírito salutar de que a amizade se constrói na liberdade e nas múltiplas formas de olhar o mundo.

A minha entrada na sede do jornal, sempre foi vista pelo Sr. Diretor (como eu gostava de o tratar), com alegria e muito carinho, sabia que as “críticas” que eu fazia ao jornal procuravam ser sempre construtivas e tentavam ajudar a melhorá-lo. Não era assim António Pedro?

Nos últimos anos acompanhamos a enorme preocupação que o Torrão Sacramento tinha para conseguir comemorar o centenário d’O Ilhavense, sobretudo por respeito aos seus assinantes e leitores e pela memória do pai, que tanto preservava.

Mas, a doença traiu-o. Também as inúmeras incompreensões e a ingratidão de alguns, pela sua independência política e social, marcavam-lhe o dia-a-dia e foram-lhe minando a vida. Muitas vezes me apareceu desalentado e profundamente triste por atos de vingança e de mesquinhez, sobre aquilo que escrevia e que autores “anónimos”, ou que de forma cobarde lhe faziam chegar mensagens agressivas e provocatórias, iam-lhe consumindo a alma e desgastando-lhe o ânimo e a coragem de continuar o projeto de um jornal livre e isento, cujo único objetivo era ser Por Ílhavo.

Nos últimos meses de vida procurei acompanhá-lo na doença e persistentemente consegui, com outros, que fosse nossa presença assídua nos almoços dos “Quartas-feiras”, que com sacrifício e muito debilitado, nunca disse que não, e soube resistir, como era seu apanágio.

O Município de Ílhavo incompreensivelmente recusou a homenagem que lhe era merecida em vida. Isso é imperdoável e o que presumivelmente se fará no futuro, não reparará a mágoa que lhe provocaram e que sempre soube sofrer em silêncio.

Até sempre, Sr. Diretor.

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