A Junta de Freguesia e o Agrupamento de Escolas da Gafanha da Nazaré homenagearam a antiga atleta olímpica e recordista nacional em título do lançamento do disco, Teresa Machado, dando o seu nome ao pavilhão gimnodesportivo da Escola Secundária. Teresa Machado, natural da Gafanha da Nazaré e antiga aluna daquela mesma escola, não esconde o contentamento e a emoção por esta homenagem. “Quando estamos no auge, todos nos conhecem e se lembram de nós, mas quando terminamos a carreira, esquecem-se. No entanto, às vezes, lembram-se, como aconteceu desta vez. Não estava à espera e, para mim, foi uma alegria muito grande”, confessa.
Este tributo à atleta ilhavense é, para o Agrupamento de Escolas da Gafanha da Nazaré, assim como para aquela autarquia, um reconhecimento de toda a história de vida e conquistas da antiga atleta, autora de “feitos extraordinários na área desportiva, dentro de portas e além-fronteiras” e “um exemplo de resiliência”, como pode ler-se no texto justificativo conjunto que foi levado ao Conselho Geral da Escola.
Um percurso de superação
Nas aulas de Educação Física, a força de Teresa Machado começou por evidenciar-se na prática do andebol. No que aos lançamentos diz respeito, o seu primeiro treinador foi o professor Fernando Gouveia, mas rapidamente passou a ser treinada pelo professor Júlio Cirino, que acabou por acompanhá-la durante toda a sua carreira. Teresa começou pelo lançamento do dardo, mas cedo optou pelo peso e pelo disco – esta última, a sua modalidade preferida. “O dardo era muito complicado”, afirma Teresa Machado. “Havia a dificuldade de arranjar e transportar os dardos; exigia, ainda, ‘locais moles’, porque os dardos eram frágeis e partiam-se com alguma facilidade. É, para além disso, uma modalidade em que se ganham muitas lesões”, explica. “Por isso” – completa – “optei pelo peso e, mais tarde, pelo disco”.
A antiga atleta da Gafanha da Nazaré recorda os tempos em que, “por não haver outros sítios para o fazer”, treinava em vários locais públicos. “Treinei [no espaço] onde era a antiga Feira de Março, com o professor Cirino a dar-me indicações através de uma janela do seu posto de trabalho”. Os treinos terão também passado pelo Cojo, pela antiga lota de Aveiro, pelas praias e pelo Rossio. Certa vez, conta, Teresa e o seu treinador foram identificados pela Polícia. “Havia um senhor já idoso que não gostava de nos ver por lá. Implicava connosco e era muito mal-educado. Chamou, então, a Polícia e disse que andávamos a atirar mer… para o ar! Ele podia ter dito ‘coisas’, mas era mesmo mal-educado”. Este episódio, contudo, não intimidou a atleta nem levou ao deslocamento dos treinos. “Não estávamos a fazer nada de mal, nada de proibido. Nós continuámos a treinar, ele continuou a chamar a polícia”. Corria o ano de 1986.
Nascer fora de época
Teresa Machado nasceu em julho de 1969 e diz que, hoje em dia, tudo seria diferente. “Se eu me apanhasse hoje com 16 anos, a começar…”, suspira. “Hoje a malta tem tudo! Tem condições, locais, equipamentos, materiais dos melhores… Só não têm uma coisa: força de vontade”. A alta competição é bastante exigente: o esforço necessário é muito e a força de vontade tem de ser ainda maior. “Tem de se treinar muito, de manhã e de tarde; não podemos sair à noite. É muito sacrifício”. Mas “a malta hoje quer é computadores e telemóveis e não está para se sacrificar”, lamenta. Teresa não sabe se esta homenagem da Junta de Freguesia e do Agrupamento de Escolas da Gafanha da Nazaré poderá servir de inspiração para os jovens que frequentam aquele pavilhão, mas admite que “seria um orgulho ver alguém seguir no desporto inspirado por mim”.
Relembrar os Jogos Olímpicos
Não será fácil para um atleta bater o currículo de Teresa Machado. Com um passado inigualável no desporto, mais concretamente no lançamento do disco e do peso, Teresa Machado participou em quatro edições dos Jogos Olímpicos, sete Campeonatos do Mundo, três Campeonatos da Europa e cinco Campeonatos Ibero-americanos. Foi campeã nacional durante 21 épocas consecutivas em ambas as modalidades, entre 1987 e 2007, e obteve títulos suficientes para se tornar na atleta portuguesa mais titulada de sempre nas duas modalidades. Com uma marca de 65,4 metros, o recorde do lançamento do disco ainda hoje está na sua posse.
Algumas das melhores memórias dessa longa carreira, são das Olimpíadas: “Em Sidney, nas qualificações, os juízes disseram que eu tinha pisado o aro, o que não foi verdade. Tivemos que protestar a decisão, pois tinha sido o meu melhor lançamento e dava-me acesso à final. Como nunca mais me diziam nada, acabei por sair à noite e, no dia seguinte, foi passear com colegas de outras modalidades. Quando cheguei à Aldeia Olímpica, andavam aflitos à minha procura para me dizerem que me tinham dado razão e que eu podia ir à final! Foi aborrecido pois eu estava cansada. Como demoraram tanto a dar a resposta, pensei que a minha participação tinha terminado no dia anterior… podia ter sido diferente. Acredito que podia ter ido mais longe. Mesmo assim fiquei em 11.º lugar”.
Outra memória caricata, desta vez, dos Jogos de Barcelona: “No estádio, um juiz vem direito a mim e diz-me que eu estava mal, que tinha que ir para outro lado, que não era ali o lugar das atletas de velocidade! Eu disse-lhe que era lançadora, mas ele abanou a cabeça como quem diz ‘esta não está boa da cabeça’. À minha volta era só matulonas, atletas grandes e largas. Eu era a mais franzina… se fosse como elas de certeza que tinha lançado mais!”
Dos lançamentos para as limpezas
Depois de terminar a sua brilhante carreira, Teresa esteve dois anos a fazer limpezas. Entretanto, tirou o curso de Massagem e Recuperação Física e, hoje, é técnica auxiliar de fisioterapia. Em jeito de resumo de uma carreira ímpar, a antiga atleta ilhavense olha para trás com sentimento de dever cumprido. Tendo em conta as condições que teve, os materiais, o facto de não ter locais certos para os treinos, considera que fez “marcas muito boas”. “Agora vamos ver se aparece alguém que consiga fazer o que eu fiz”. O recorde nacional do lançamento do peso já foi batido, mas o do disco continua a ser de Teresa – um recorde que pode vir a ser batido por uma atleta que entre no – agora – Pavilhão Teresa Machado, na Gafanha da Nazaré, e se inspire na história e no testemunho de uma das melhores atletas portuguesas de sempre.