Ricardo Fradinho conta como estão os polacos a viver estes últimos tempos de turbulência social
Ilhavense, de 42 anos, Ricardo Fradinho emigrou para a Polónia “por razões de amor”, segundo nos diz, “razões essas que a própria razão desconhece e o nosso interior grita e nos impele a fazer o inevitável”.
A viver há nove anos “em terras do Sr. Wałesa”, é consulting sales specialist e falou dos dias intensos que se têm vivido no seio da sociedade polaca.
Quais são os principais problemas da Polónia?
Para mim, os principais problemas da Polónia são o papel da igreja na política, principalmente oriundo de uma organização ultraconservadora (Ordo Iuris), e que tem vindo a restringir ainda mais a lei antiaborto, o que se tem revelado a maior causa das manifestações nas últimas semanas. O sistema de saúde é um outro ponto quente, tem vindo a deteriorar- se e a pandemia deixou as suas fragilidades ainda mais à vista.
Existem também muitos problemas com os chamados “contratos de lixo”, equivalentes aos recibos verdes, aos quais a UE já chamou a atenção. Isto implica que os trabalhadores não tenham grandes direitos sociais, tais como férias pagas, segurança social e seguro de saúde. Pilares básicos de estrutura laboral que qualquer cidadão da UE (e não só) deveria ter direito, sem que fosse possível o seu contorno da lei por parte dos empresários e governo.
E os aspetos mais positivos?
Tem um potencial de turismo a nível da natureza fantástico, com uma oferta de alojamentos e organização de atividades de aventura fora do comum, com preços acessíveis. Dispõe de empreendedores com uma excelente capacidade de iniciativa, abertura agilizada de negócios e o sistema educativo é gratuito desde o básico até ao nível académico.
Um outro ponto positivo é que pessoalmente louvo muito este povo: não andam pelas esplanadas a opinar sobre “este ou aquele”, sobre “o que tem ou deixa de ter”. Sabem organizar-se sair à rua, protestar e lutar em massa pelos seus direitos, mesmo quando o governo os tenta restringir com meios menos justos, como recentemente o caso gravíssimo de membros da polícia antiterrorista que, violentamente, investiram contra mulheres e grupos LGBT que protestavam numa manifestação pelos seus direitos.
A Polónia, juntamente com a Hungria, estão a ameaçar boicotar o plano de recuperação da União Europeia…
É inadmissível! Não acho justo. Especialmente depois de muito usufruírem de apoios europeus, dos quais grande parte foram investidos no desenvolvimento dos seus países. Outra parte, todos nós sabemos que sai sempre pela porta do cavalo, e como é óbvio não é politicamente correto em momentos atuais e extremamente importantes falar-se sobre isso.
No entanto, estas ideias que os governos de ambos os países defendem e que implicam atitudes pouco democráticas, nunca partem de um conjunto de pessoas. Parte sempre de uma ideologia ou trauma, gerido por um indivíduo ou pessoa, que a tenta impor aos outros.
Como vê esta tomada de posição da parte do governo polaco?
A minha perspetiva relativamente a posição do governo polaco… Sinceramente, não me surpreende, Vindo de um governo de extrema direita, com intenções antidemocráticas na Europa do século XXI, que toma decisões no parlamento às tantas da madrugada e, ainda por cima, conta com um sistema judiciário controlado de forma muito obscura e completamente blindado do escrutínio do povo.
Como estão os polacos a reagir a este assunto?
Os cidadãos Polacos de classe média estão completamente inconformados, revoltados com este tipo de atitudes por parte do governo dado que por várias razões se esta ameaça do veto se realizar, poderá ter consequências ao nível de ajudas financeiras completamente bloqueadas e irreversíveis, o que também significará que o governo ira continuar o caminho antidemocrático e que muito provavelmente significará um provável Polexit. Vale a pena mencionar que a história se repete, dado que há 70 anos, a Polónia tinha rejeitado o plano Marshall sobre pressão da União Soviética, proposto pelos EUA.
Polónia pode bloquear “bazuca europeia”
A Polónia e a Hungria, em contraciclo com Bruxelas, ameaçam votar contra o plano de recuperação económica da União Europeia, pondo assim em causa o mecanismo de recuperação europeu que seria um balão de oxigénio para os países mais afetados pelo COVID-19.
Como se já não bastassem os constantes atropelos à democracia e liberdade dos quais estes dois países têm sido protagonistas, a complacência da União Europeia com este tipo de regimes pode agora, mais uma vez, colocar a Europa à beira de mais uma crise, desta feita política.