Fotografias: Abel Cunha

Por: Rodrigo Leite

O Largo da Vista Alegre vai acolher o Desfile Nacional do Traje Popular Português, no próximo dia 16 de setembro. Carlos Saraiva, da Federação de Folclore Português conta a O Ilhavense o que esperar deste evento.

Em que consiste o Desfile Nacional do Traje Português?

O XXVI Desfile Nacional do Traje Popular Português, à semelhança das anteriores edições, é o maior evento anual que a Federação do Folclore Português leva a efeito. Consiste na maior mostra do traje popular português de finais do séc. XIX e até ao último quartel do séc. XX.
Os trajes do Povo serão apreciados na sua multiplicidade cultural, mostrados por treze quadros temáticos pretendendo definir a vivência do Povo português no início do séc. XX. O Desfile começará com o primeiro quadro da primeira infância. Seguem-se os quadros da infância (as crianças e a sua importância na vivência familiar e comunitária), o quadro três será o do pastoreio (com a sua riqueza e diversidade: desde o pastoreio dos bovinos no Minho até ao pastoreio dos suínos no Alentejo, não faltando o pastoreio da serra da Estrela), o quadro de trabalho, o da tecelagem, o quadro seis de “rio e mar” (que tanto caracteriza a nossa realidade Ilhavense), o quadro enterro e luto; o quadro oito será o da feira; segue-se o quadro de trajes de domingar e o quadro dez será a mostra dos trajes do casamento. Segue-se o quadro onze o das Gentes abastadas. O quadro doze reproduzirá os trajes de cerimónia denominados “de ir á missa” e termina com o quadro treze de Festas e Romarias. Passará, assim, a vivência de um Povo do início do séc. XX na sua diversa forma de vestir, trajar e vivenciar.

Quantas pessoas vão estar envolvidas na produção deste evento?

A exemplo de edições anteriores, e porque todo este processo carece sempre de uma gestão de logística, as inscrições dos Grupos/Ranchos Folclóricos nacionais e da diáspora atingiram o máximo de participantes tidos como aceitáveis. Virão, a Ílhavo, mais de 1.200 Folcloristas para mostrar os trajes da sua região no contexto em que foram usados numa determinada época e na função em que eram usados. Além dos trajes inscritos há toda uma logística a acrescer que totalizará, no seu máximo, pouco mais de 1.300 pessoas envolvidas.

Houve certamente necessidade de investimentos. Como participaram Câmara Municipal e Federação do Folclore Português? Qual o retorno esperado?

A Federação do Folclore Português, na sua génese e na sua matriz, tem como princípios a defesa da cultura tradicional e popular portuguesa, a formação, apoio e verificação dos Grupos/Ranchos seus associados. O investimento nas iniciativas culturais passam sempre pela valorização da nossa cultura tradicional. No entanto a componente financeira é sempre significativa para alavancar qualquer projecto de massas na sua vertente formativa. Um evento como o Desfile Nacional do Traje Popular Português assume, quase sempre, uma responsabilidade financeira de algumas dezenas milhares de euros. Posso adiantar que, só para a equipa contratada de imagem e som (com cerca de 20 profissionais) para captação, registo e divulgação do evento, o custo ronda os 20.000,00€.
Este evento, o maior a nível nacional neste género, será de muito difícil execução sem a parceria de uma autarquia (neste caso a de Ílhavo) que assegura de forma protocolar um apoio significativo e que terá como retorno indirecto o investimento nesta Mostra nacional.

Quais são as expectativas para esta edição?

A última edição antes da pandemia do Covid19 foi nas margens do rio Douro, frente às adegas do Vinhos do Porto em Gaia, com uma moldura humana digna de registo. A edição seguinte, e primeira pós Covid, em 2022, foi em Monção no extremo do nosso Minho. Em Ílhavo, pela sua centralidade geográfica no país, beneficiada pela auto-estrada A25 que permite a confluência das gentes da Beira Alta e da Beira Baixa, não haverá grandes dúvidas que esta XXVI edição do Desfile Nacional do Traje Popular Português será a que mais apetência tem para uma adesão maciça das Gentes que defendem e mostram a nossa cultura tradicional e popular comum. Tão rica e tão nossa.

Porquê Ílhavo? Quais as razões que levaram a escolher esta terra ribeirinha? Apresenta condições para receber um evento desta envergadura?

Ílhavo é terra de valores e de labores. Ílhavo, desde muito recentemente recebeu e apoiou o Congresso Nacional para Jovens Folcloristas em formato on-line por imposição da pandemia. Recebeu, no início deste ano, a indigitação dos Conselheiros Técnicos da Federação do Folclore Português no digno auditório do Museu Marítimo de Ílhavo. Centralizaram-se, em Ílhavo, algumas das iniciativas para o Movimento Folclórico Nacional.
A cultura Ilhavense tem por base tradições, usos e costumes enriquecedores e diferenciadores a nível nacional. A realização, em Ílhavo, do Desfile Nacional do Traje Popular Português coloca esta cidade e o concelho no foco da defesa da nossa cultura tradicional.

Que vantagens e desvantagens esta mostra traz para o município

A mostra, digna, e a divulgação da nossa cultura tradicional tem, sempre, as vantagens inerentes à formação cívica dos seus agentes e de quem os rodeia. Investir na cultura e na formação da sociedade, mesmo no âmbito regional, traz sempre mais-valias sociais e culturais a curto médio e longo prazo.

Qual é o estado do folclore atualmente em Portugal? Ílhavo segue a mesma linha? Sente que as pessoas aderem a este tipo de eventos? E quanto aos jovens?

O Folclore será, excluindo o desporto, o Movimento social que mais pessoas movimenta em termos associativos. O movimento do folclore recupera, ainda, dos efeitos da pandemia em termos da sua dinâmica tida como normal. Actualmente passa por um processo de regeneração qualitativa visando a sua melhoria na representatividade cultural de um Povo, de uma época e num contexto muito específico. A consciencialização de que qualquer Grupo/Rancho de Folclore tende a ser um museu vivo representativo de uma sociedade localizada augura a esperança de, num futuro próximo, assistirmos a manifestações culturais vocacionadas para a representatividade genuína sem descurar a parte da vivência festiva dos festivais de Folclore. Sinal disto mesmo é a grande apetência que muitas e muitas centenas de jovens, a nível nacional, estão a ter pelo Movimento do Folclore, tanto na parte da dança, música (tocata) bem como para renovar quadros directivos nos seus Grupos. O futuro apresenta-se risonho em termos culturais.

Como vê a ligação entre o folclore e a cultura? Sente que o folclore é “esquecido” muitas vezes no mundo da cultura?

O Folclore é cultura! O Folclore abarca vários ramos das ciências sociais desde a história de um determinado quadro temporal, abarca a sociologia, a geografia na distribuição geo-política dos concelhos do início do século XX, etc, etc. Durante muitos, demasiados anos o Folclore foi visto só como componente recreativa e lúdica. Esta visão ainda é entrave à mudança do paradigma na forma como se deve “trabalhar” o Folclore; falta, ainda, formação transversal; apesar da Federação do Folclore Português ter na sua essência a formação permanete dos seus associados e o acompanhamento esclarecido e esclarecedor através dos seus Conselheiros Técnicos Regionais.

O que define os grupos de folclore de Ílhavo e os seus trajes? Têm alguma marca característica que os separe de outros municípios? Pode falar-nos sobre isso?

Esta questão, pertinente, sobre a realidade Ilhavense é caracterizadora de uma realidade também a nível nacional. O concelho de Ílhavo tem só dois Grupos/Ranchos associados da Federação do Folclore Português; e estes estão “obrigados”, por um processo de avaliação contínua, a serem verdadeiros embaixadores culturais do seu concelho no que às tradições dizem respeito. Os trajes são validados, quando autênticos, na sua representatividade no uso que tiverem em finais do séc. XIX e início do séc. XX. As músicas, as letras (poemas), os ritmos, a cadência musical, etc, etc são avaliados por forma a indicar ao Grupo associado a forma de evoluir para a autenticidade cultural do seu concelho. A FFP não tem poder de intervenção nos Grupos/Ranchos que não são seus associados; estes só tocam e dançam o que bem entendem, tantas vezes com reportórios que nada têm a ver com a sua realidade local e/ou concelhia das usas tradições. São, digamos, Grupos recreativos que também têm o seu papel no seu seio social! Estes usam, por hábito, a denominação do “Folclore” mas não pretendem percorrer um caminho qualitativo visando a real representatividade da sua sociedade local/regional.
Ílhavo (e a zona Vareira) é diferenciador a nível nacional. Atente-se na forma de trajar (vestir), com as roupas masculinas das artes da pesca; o arrais com suas manaias, o marnoto que trabalhava o sal, o pescador da Ria, mas também o homem das agras tão características e tão peculiares na agricultura ilhavense. Na mulher, e porque a sociedade Ilhavense era, neste período, essencialmente matriarcal, a lavradeira abastada com o seu chapeirão (tão diferenciador a nível nacional), a salineira, a tricana de Ílhavo, a vendedora do peixe de porta-a-porta, etc, etc. Ílhavo tem todos os factores diferenciadores, no país, na forma de trajar. Talvez também por ter esta riqueza diferenciadora que será aqui a XXVI edição do Desfile Nacional do Traje Popular Português.

Como surgiu a Federação de Folclore Português? Com que funções, deveres e objetivos? Qual o cargo que ocupa?

Deste há cerca de uma década e meia que assumi, com gosto, o cargo de Conselheiro Técnico da zona da Beira Litoral Vouga (que compreende os concelhos de Aveiro, Águeda, Sever do Vouga, Oliveira do Bairro, Albergaria-a-Velha, Anadia e Mortágua). Sou o Coordenador deste concelho Técnico Regional. A viver presentemente em Ílhavo dou, também o apoio necessário ao Conselho Técnico regional desta zona Vareira.
Assumi, de há uma década a esta parte, o honroso cargo de director da Federação do Folclore Português no cargo de primeiro secretário. Nos dois últimos mandatos directivos, em 2021 assumi, a pedido do sr. Presidente da direcção o prof. Dr. Daniel Calado Café e de outros colegas da direcção o cargo de tesoureiro da FFP.

Quer deixar um convite aos nossos leitores para irem ao Desfile Nacional do Traje Português?

O largo/recinto da digna Vista Alegre será pequeno para os que virão, das várias latitudes do país, assistir ao XXVI Desfile Nacional do Traje Popular Português. No próximo ano será numa outra cidade. Aproveitem a oportunidade de marcar presença para assistirem a uma noite de portugalidade na mostra dos nossos trajes a nível nacional. Haverá o acompanhamento musical com uma tocata de cerca de 30 elementos. Será uma noite majestosa como a história da Vista Alegre e o concelho de Ílhavo merecem. Um agradecimento à autarquia de Ílhavo na visão que teve (e tem) na promoção da cultura tradicional e popular portuguesa. Na tarde e noite do dia 16 de Setembro, Ílhavo será o epicentro do país na mostra da nossa cultura tradicional e popular comum.
Venham! Verão que vai valer bem a pena.