No mês em que celebramos o dia de Todos os Santos, que recordamos com saudade os que já partiram, lembramo-nos das promessas que ficaram por cumprir.

No passado dia oito regressei a Ílhavo, para honrar um dos últimos desejos de Maria Olívia Gomes Barreto Dias. A maior parte dos ilhavenses deve estar a perguntar-se, quem era. Era uma Gomes, mas também uma Barreto Dias. Filha de Mário Barreto Dias e de Maria Madalena Celestino Gomes Barreto Dias. Para quem teve o privilégio de a conhecer, era a Olívia, a Mariazinha, a Ziza e eu fui uma das afortunadas ao tê-la na minha vida.

Para mim era a tia, a madrinha, a mãe. Para o meu filho, a avó dedicada. E apesar de não ter nascido em Ílhavo, foi aqui que escolheu ficar quando o seu percurso terreno findasse.

Esta fantástica mulher era o pilar que sustinha a família, tendo tomado a si essa responsabilidade após a morte da sua mãe. Foi agraciada com as melhores características da família. Era pintora, escultora, tocava piano, guitarra. Uma ávida pelo conhecimento, literatura, filosofia, história de Arte. De uma doçura, calma, apaziguadora, uma capacidade ímpar de nos prender com a força que imprimia às palavras. A sua curiosidade roçando a teimosia, tornaram-na a fiel depositária da herança histórica familiar e era com orgulho que contava amiúde os feitos dos nossos antepassados.

A sua casa era a maior prova material dos Gomes. Quem lá entrava dizia que parecia um Museu, poucos se apercebiam que aquela era a sua forma de manter vivas as memórias. Cada peça contava uma história. Da farmácia da família conservava entre diversos objectos, o canapé escrevinhado possivelmente por uma navalha. Da casa da avó tudo o que de alguma forma a recordava. Arcas com fotografias, algumas demasiado esbatidas tornando impossível reconhecer quem imortalizavam, porém, ela sabia. Medalhas, louvores, diplomas, bengalas, espadas, a mitra do “Padrinho Arcebispo” D. José António Pereira Bilhano primo de Joana Celestino Pereira do Béu sua bisavó, mãe do seu avô materno, certidões de nascimento, de casamentos, óbitos, recortes de jornais. Pequenos retalhos que nos definem e explicam o que fomos e no que nos tornámos.

Descrever o seu carácter devia ser fácil por ter vivido sempre com ela. Mas confesso que as palavras são parcas por não abrangerem toda a sua grandeza. De uma bondade altruísta, uma vontade férrea, encarava a vida como uma dádiva e vivia-a ao seu ritmo. Foi professora e a um pedido seu, neste dia, entreguei os livros que tinha destinados à biblioteca escolar com o nome do seu tio, a Secundária Dr. João Carlos Celestino Gomes.Cumpri com a minha promessa e dei o dia por terminado.

Mas, como faço sempre antes de partir, parei à porta da moradia construída no espaço onde costumava estar a casa da minha avozinha. Não sei se foi coincidência ou estava predestinado, mas fiquei a saber que está desabitada. Com as fortes portadas de madeira fechadas, as portas trancadas, um silêncio constrangedor.

Nunca me aproximo muito, apesar de existir algo naquele lugar que me atraí como um íman. A casa de que me recordo desapareceu num amontoado de pedras e pó para dar lugar a tijolos, betão e madeira. Consigo sentir o vazio do abandono e se as casas conservam a alma de quem as habitou aquela está oca, porque sabe que aquele lugar não lhe pertence.

Tenho Ílhavo no coração, então porque não vivo aqui? A melhor parte de mim já cá está e mesmo que nunca consiga atravessar a ombreira daquela porta, esperarei pacientemente a hora em que me venham receber para me levar de volta à casa.

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