Quando o surto do novo coronavírus despontou, o setor da cultura foi o primeiro a parar e o Município de Ílhavo não foi exceção. Num dia, centenas de pessoas celebravam o festival Palheta, na Gafanha da Nazaré; dois dias depois, todas as atividades culturais tinham sido suspensas, os equipamentos encerrados e a equipa do 23 Milhas obrigada a cumprir uma quarentena profilática.
Desde então, toda a comunidade tem vivido dias de urgência, confinamento e dúvida. O 23 Milhas teve de cancelar e adiar dezenas de espetáculos e atividades e, agora, enfrenta o ousado desafio de se reinventar. Mas como é que um projeto de promoção do encontro e transformação do território consegue viver numa fase das nossas vidas em que o acesso ao espaço público está tão limitado e nos é pedido que não nos encontremos uns com os outros? Resposta: focando-se nos únicos territórios que, por estes dias, é sensato habitar – as nossas casas – e tentando otimizar ferramentas de encontro à distância, por muito paradoxal que isso possa soar.
Não há receitas milagrosas, nem sequer referências ou modelos que possam servir de inspiração. A crise impôs-se sem aviso prévio e artistas, técnicos e programadores, que viram a agenda de vários meses esvaziar-se implacavelmente de um dia para o outro, têm de ir pensando, enquanto atuam; aprendendo, enquanto fazem. A equipa do 23 Milhas, convicta de que “estamos mais dispostos a encontrar-nos que nunca; que queremos estar próximos, fazer parte, não estar sozinhos; que estamos cheios de planos”, está a testar novas fórmulas, novos métodos, novas plataformas e a experimentar alternativas que consigam manter a comunidade ligada.
Desde o início do mês de abril, o 23 Milhas têm lançado um caderno semanal com sugestões culturais para aceder a partir de casa – o Guia de Navegação em Casa. “Reunimos sugestões do que consideramos que pode ajudar-nos a todos, não a passar o tempo, mas a passear nele. Desafiar o medo é dar-lhe a volta. Planear a partir dele e apesar dele. Está na altura de reforçarmos as nossas casas”, lê-se na apresentação deste Guia de Navegação em Casa, no site do 23 Milhas.
O caderno está dividido em cinco categorias: assistir, pensar, experimentar, visitar e programação especialmente dedicada às famílias. “São propostas em sintonia com aquilo que fazemos habitualmente no 23 Milhas: convidam-nos a refletir, a chegar a outros lugares e a conhecer melhor o nosso território”, explicam.
Nestas primeiras duas semanas, as propostas passaram por workshops de dança, guitarra ou ilustração, um ciclo de concertos dentro de uma banheira, visitas virtuais a museus, podcasts sobre tudo e mais alguma coisa e até a Play If Safe, uma rádio online criada para acolher concertos que, não podendo acontecer nos palcos nesta quarentena, acontecem em casa.
Por falar em rádio, desde a passada segunda-feira, dia 13 de abril, a cultura do dia-a-dia vive-se também nas ondas hertzianas. Em 105.0 FM, frequência “emprestada” pela Rádio Terra Nova, e ao vivo, na página do 23 Milhas no Facebook, simulam-se “os palcos, agora vazios, enchendo-os, convocando quem nos ouve e vê a ocupar os lugares de uma plateia que não se esgota”. De segunda a sexta, a partir das 16h00, três horas de música discos pedidos, conversas, concertos exclusivos e rubricas especiais preparadas pelas equipas da Maioridade, Museu Marítimo, Centro de Documentação, Biblioteca e do Estaleiro – Estação Científica de Ílhavo.