Nós, Joana, como tu, também saímos ao sábado de manhã para ir, a caminhar, até Aveiro; consumir aquele ensaio de filosofia da proximidade do Josep Esquirol, conheces? Usamo-lo para nos inspirar, e, para isso, sentamo-nos na esplanada ao lado da livraria, pedimos um sumo de laranja natural, uma torrada e um café, para ficarmos, ociosos, a ler as primeiras folhas, até nos sentirmos bêbados de literatura e poder fazer a volta de regresso, a caminhar, com os olhos pregados no chão e o pensamento afundado em ideias novas que, sinceramente, são apenas frases bem construídas, que podem inspirar outros como nós mesmos.

Nós caminhamos só com isto na cabeça, e foi com isto que tu, Joana, me encontraste no meio de uma praça vazia de gente e, sem mais auditório que pudesse ouvir, me chamaste, desculpe, posso pedir-lhe um favor, e eu escutei sem me apetecer logo, sem ter logo parado. Continuaste, posso pedir-lhe um favor, e fui obrigado a dizer que sim, a perguntar o que precisavas, ainda com a esperança de que fosses uma turista, quisesses uma indicação, ou, talvez, companhia para turistar.

Chamo-me Joana e estou tão envergonhada por lhe interromper o passeio, mas não sei o que fazer, não sei como fazer… sou da Gafanha, não de essa, da outra, e não quero dinheiro, mas mercearia. Fiquei desempregada, há dois meses que não tinha salário, depois despediram-me. Que idade tens, Joana? Tenho 25 anos… Não chores Joana… Com o covid, ninguém me ajuda por causa do covid. Com o covid, tudo ficou pior, eu entendo, sabe como é? Joana, tens família? Eles não te ajudam? Os meus pais têm uma reforma, desculpe dizer assim, que é uma bosta, daquelas reformas que são uma bosta, e sabe como é? Não sei, Joana, não sei. Mas, Joana, queres mercearia aqui, no meio do nada, não sei Joana… Há o Jumbo, ali, mas é longe, Joana. Então, deixe lá, eu vou ver se… Tens a certeza? Como vais fazer, Joana?

Eu vou contigo, há ali um supermercado, o Paradi, sim, Joana, esse. Como vais para casa, depois? Não sei, mas… Não chores, Joana. Olhe, mas não é preciso, já me fez bem ter este tempo de antena. Claro que é preciso Joana, não podes andar no mundo, assim. Tu estás toda suja, estás muito magra, Joana. Precisas de comer, precisas de alguém para te ajudar, Joana, a ti e aos teus pais. Eu vou contigo, vamos à mercearia. Obrigado, mas porque vamos por este lado, vamos à mercearia, Joana, preciso de levantar dinheiro para o teu autocarro…

Mas, olhe, desculpe falar assim, mas eu preciso de uma ajuda… e vejo a tua mão estendida para mim, suja, magra, maltratada. Joana, tens problemas com drogas? Não, só fumo. Claro, Joana, estou a ouvir sim, tenho problemas, mas tu tens de pedir ajuda, tens de ajudar os teus pais… Não tens de chorar… Se não me poder ajudar, já me ajudou tanto, a sério. Joana, só tenho 2 euros, dá para o autocarro?

A Joana foi, com dois euros, para o lado do bairro, para a sua livraria e para o seu ensaio de prazer, enquanto eu regresso, nós regressamos, com os olhos pregados no chão, com o pensamento afundado no prazer das ideias, das frases bonitas. Mas não me saias da cabeça, Joana. Não podes existir no mundo, assim, Joana, prostituída e doente, Joana. Precisas de ajuda… És muito mais nova do que achas, Joana.

Joana, “quem vai para o deserto não é um desertor”.

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