Por Sofia Senos

Às vezes, por distração, ignoro acontecimentos importantes.

Neste Verão, numa visita ao museu, descobri o livro João Carlos, com um misto de alegria e de profunda auto-repreensão, por falta de atenção – eu não sabia mesmo o que tinha feito no verão passado e porque não tinha visitado a exposição em Setúbal.

Nada no livro é novidade, pelo menos, para mim, que tive sorte em estudar artes (ufa, ainda o Nuno Crato não ministrava) na escola de todos, iluminada por João Carlos Celestino Gomes. Mas há sempre um irrespirável espanto quando nos lembram um Homem Maior.

Um Homem, daqueles! Dos que eram tudo. Médico, cientista, poeta, ilustrador, pintor, comentador. Tudo com humor e prazer, apaixonado pela mulher, pela vida, pelo ofício, pela terra (e pelas varinas – como se pode comprovar e bem no seu desenho a lápis sobre papel, na página 53, do referido livro).

Tenho a certeza que quando respirava era o cheiro a lodo que o virava ao horizonte e lhe dava urgência de contar a toda a gente.

Com 11 anos, cria um manuscrito (3 ou 4 exemplares) onde publica as primeiras gravuras e os primeiros poemas. Com 14 anos escreve no Nauta e com 18 publica a novela Calvário no Ilhavense.

Por estes tempos, os jornais eram um mediador fundamental entre os criadores e nós. Entre os pensadores e nós. Entre os acontecimentos e nós. Entre os comentadores e nós. Entre os outros e nós.

A concorrência hoje é feroz. Não sabemos bem o que é futuro dos jornais ou os jornais do futuro. Mas o Jornal da Terra tem outras regras. A actualidade não é instantânea, é um pouco mais alongada. É sobre tudo e sobre nada. É sobre a rua do lado e é sobre a Cochincina.

É o nosso arquivo, a nossa opinião, a nossa rede, a nossa pressão, a nossa especulação, o nosso espelho.
100 anos são muitos anos para uma pessoa, são poucos anos para uma árvore.

Para um jornal, 101 anos de Ilhavense, são já uma pedra a que nos podemos todos ancorar.

Para os próximos 100 anos é preciso imaginação mas todas as gerações se reinventam.

No fim-de-semana passado aconteceu a Milha, a Festa da Música e dos Músicos de Ílhavo e o futuro parece promissor.

Talvez seja preciso insistir um bocadinho mais.

Entretanto a AGIL “imprimiu” pela terceira vez – qualquer semelhança com João Carlos, é pura coincidência, ou talvez não, mas na AGIL as qualidades distribuíram-se por Homens (des)multiplicados, talvez exponenciados.

Parabéns ao Ilhavense e à sua equipa!

E que contemos sempre com todos com pensadores, criadores, comentadores.

E se as escolas apostarem cada vez mais numa verdadeira educação holística, mesmo quando estão a formar futuros médicos, à semelhança do seu patrono, se falarmos no caso da Escola Secundária de Ílhavo, de certeza que o ciclo nunca se encerrará.

Publicado no jornal O Ilhavense de N.º1313 de 15 de novembro de 2022