Verdadeiras ou falsas, breve ou longas, as estórias são para imaginar; contar estórias deve levar as pessoas ao mais íntimo da sua liberdade de expressão; pôr pontos, tirar vírgulas, abusar nos contextos, são as miudezas do ofício de narrador para provocar as expressões da liberdade.
Com isto se vai entretendo e não chateia ninguém.
As estórias, como os segredos, andam por lugares escondidos, desde os impulsos subconscientes até à velha caixa de sapatos; para as encontrar assim como vêm ao mundo, puras essências de um momento na vida, é preciso permanecer até ao fim, acreditar que há o infinito e, embalados e embaladas, ir em silêncio e de olhos fechados, levados e levadas pela mão.
Precisamos ser crianças!
Assim, podemos imaginar Ílhavo nos anos 60, como já o era nos anos 50 e 40, entre a terra e o mar, com o cais a servir de palco e cenários decorados com bacalhoeiros de velas e cascos brancos. Sentados na primeira fila, podemos ver, de um lado, os rapazes tão rapazes a acenar com as boinas no ar; do outro, nuvens negras que chovem lágrimas, viúvas de um luto eterno, e que, no seu claro consciente, calam um desabafo: mais valia a guerra que ainda vinham capitães.
Na vantagem da primeira fila, vemos bem os rapazes tão rapazes a acenar felizes, sem entender se de ingenuidade, se de coragem; enquanto as jovens viúvas, tão velhas já, a balançar lenços brancos no ar, já rendidas à saudade e à tirania de uma vida só. Conseguimos sentir o calor das lágrimas acabadas de cair e, também, o frio alegre das cotoveladas entre rapazes tão rapazes que dizem entre si: veio toda a jeitosa a tua moça?!
Teatro da insensatez? Também, mas não só! Precisamos permanecer até ao fim, lembrem-se, para ver os rapazes, um pouco menos rapazes, a embarcar nos seus dóris e a seguirem em bando, mar adentro, deixando para trás o alvoroço das partidas para encontrarem a seriedade do nevoeiro gelado e o isolamento.
Meu caro amigo, narrador das estórias das gentes, ali podias sentir o medo profundo e, ao mesmo tempo, a alegria que faz de ti um ser vivo. Imagina um rapaz tão rapaz, sozinho num dóri a lutar apenas com uma linha e anzóis, sem ouvires nem veres viva-alma, só os azuis e brancos dos mares e glaciares do Norte, ancorado onde mar e céu se tocam, no longe de tudo.
Agora imagina que destes mares e glaciares, rompendo pelo nevoeiro, se ergue a voz quente do Fernando Farinha e canta fados que vêm de todos os lados. Ecos da vida a sério, a que ficou, e que põem o coração a bater, aceleradamente, e as recordações e desejos (perdidos no inconsciente) a darem as asas à imaginação e a liberdade às expressões. Vês-te a regressar ao cais e uma moça, que dali nunca saiu, a aproximar-se lentamente, até conseguires abraçá-la com a única força que te resta: o alívio de um amor que pode continuar a ser!
O Fadista da Terra Nova – e acredita que existiu – ganhava a vida assim: pescava a nossa alegria do fundo daqueles mares e alimentava a nossa vida no meio daqueles glaciares.