Fomos falar com Mário Júlio Teles, ilhavense, antigo Comandante de Mar-E-Guerra, que participou ativamente na revolução e que, por esse motivo, tal como “O Ilhavense” já noticiou, foi homenageado, pelo Presidente da República, com a medalha da Ordem da Liberdade.

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Para o antigo Comandante de Mar-E-Guerra, da Marinha, foi depois de duas comissões militares em África, em Moçambique e em Angola, que “percebemos que a ideia de Portugal UNO, indivisível, em que não havia colónias, mas sim províncias ultramarinas, não se verificava lá”. Recorde-se que, durante a época do Estado Novo, se mantinha a guerra colonial para impedir que as colónias portuguesas em África se tornassem independentes. Afirmava Salazar que Portugal era um só e não se podia dividir, pelo que não seria possível alienar aquelas parcelas de terreno que eram tão portuguesas como o Minho ou o Algarve ou qualquer outra região. E assim justificava a guerra.

“Aquilo era de fato uma colónia”, começa por explicar Mário Júlio Teles, lembrando que “as pessoas de lá não tinham os mesmos direitos, nem tinham a mesma atenção do Governo que as pessoas de cá, digamos que, os europeus. Havia claramente uma distinção”.

Quando começaram as deserções de dois oficiais do seu navio, e de outro do navio ao lado, Mário Júlio Teles pensou em desertar, mas optou por pedir a sua demissão de oficial da Armada, “por não concordar com a Guerra Colonial”, mas “não se podia dar a demissão enquanto não houvesse oito anos de serviço”, explica. “Ainda fiz outra comissão, mas já estava arregimentado”, confessa, explicando que a única alternativa era desertar. Altura em que percebeu “que havia alguns camaradas mais antigos que estavam a organizar-se, e, portanto, a decisão, em última análise, foi ficar”.

O antigo Comandante Mar-E-Guerra explica que, desde o final dos anos 60, mas com mais força em 1970, “havia na Marinha uma organização, principalmente, com três homens. O Martins Guerreiro, o Almada Contreiras e o Miguel Judas, em torno dos quais se desenvolveu uma organização que tinha duas facetas: Uma, era no Clube Militar Naval, às claras”, onde eram organizados colóquios culturais ou socioprofissionais, e, onde “se discutiam as coisas, usando a abertura do Clube Militar Naval”, e a outra, “era uma organização, digamos, clandestina, em que fazíamos reuniões e estávamos agregados por residências e por algumas unidades”.

Sobre as ações dessa organização, Mário Júlio Teles considera que “a Marinha praticamente não teve ação militar, tirando a Fragata lá em frente, no Tejo”, para além da tomada da sede da PIDE, no próprio dia 25, ação que “estava destinada a um homem do Exército, mas que não foi. Depois foram fuzileiros que foram lá”, apesar de não ter corrido como o expetável. Por fim, foi “o Luís Costa Correia é que acabou por pôr mão naquilo”, explica.

Mário Júlio Teles em 1974

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No dia seguinte, também foi responsabilidade desta organização da Marinha a ida à prisão de Caxias libertar os presos políticos, “que eram medidas que estavam no programa”.

Mário Júlio Teles confirma que foi o Movimento dos Capitães, dos chamados “Capitães de Abril”, que decidiu e organizou o golpe, “com Otelo Saraiva de Carvalho à cabeça, para o planeamento e para o comando daquele dia”, apesar da interferência da Marinha nesses dias, e mesmo “antes, na realização do programa” do Movimento das Forças Armadas (MFA), que foi redigido por Melo Antunes, “depois de encontros com o pessoal de Marinha”.

“Martins Guerreiro e Almada Contreiras, ligados pelo Leal Loureiro, que era um alferes miliciano, reuniram-se com Melo Antunes, em Algés”, explica Mário Júlio Teles, revelando que “passado uma semana, o Melo Antunes apareceu com um primeiro rascunho” do programa do MFA.

O papel dos elementos de Marinha foi fundamental para a redação do programa, mesmo com as “influências fortes” que Spínola tinha sobre alguns integrantes do Movimento dos Capitães, pois “tinham estado com ele na Guiné e eram-lhe obedientes, o que é mais que natural”. “O programa acaba por ser uma maneira do Movimento não ser instrumentalizado, e o programa do Movimento é muito claro sobre isso”, avança.

“O programa do MFA é: vamos acabar com a guerra, vamos acabar com a ditadura, com o Estado Novo e vamos arranjar um processo de ter um regime democrático, igual aos que existem aí pela Europa”, explica Mário Júlio Teles, revelando que não havia qualquer ideologia por trás dos que fizeram a revolução.

No dia 25 de abril de 1974, Mário Júlio Teles não se envolveu nas operações militares, mas destaca a importância de Almada Contreiras, “que estava no centro de comunicações da Armada”, e, “curto circuitou várias mensagens do Chefe de Estado Maior da Armada”, cuja filha, mais tarde, “confessou que o pai tinha desconfiado” da sabotagem, porque, “estava a dar ordens para a Fragata e para os fuzileiros, e estava o Contreiras a cortar”.

“Isto é uma coisa que pouca gente sabe, mas que foi importante”, lembra o antigo militar, justificando que “aí neutralizou-se a reação que pudesse haver por parte da Marinha”.

Mário Júlio Teles foi condecorado com a Ordem da Liberdade (Foto: Presidência da República)

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Mário Júlio Teles conta depois como se deverá ter processado o início da revolução. “Um Capitão vai ter com o Comandante do Regimento e diz: recebi pela rádio o ‘Grândola Vila Morena’ às 00:20 horas, com o pré-aviso às 00:00 horas, e nós estamos a fazer um golpe militar”, exemplificou o antigo oficial da Armada, avançando depois com as respostas possíveis. “Se aderir, tudo bem. O quartel continua seu. Se não aderir, tenho que o prender”, conta, expressando admiração pela capacidade individual de quem participou no 25 de abril. Convém recordar que duas canções serviram de senha para anunciarem, sem dar nas vistas, o início da operação militar e o avanço das tropas. Passariam na rádio “Depois do Adeus” de Paulo de Carvalho e “Grândola Vila Morena” de Zeca Afonso e isso seria o sinal que tudo iria começar. “Esta ideia de compromisso individual das pessoas serve de exemplo para qualquer coisa, não é só para a parte militar”, refere o antigo comandante, vendo o 25 de abril como “um exemplo”. Para além disso, “o 25 de abril tem um ADN democrático, porque a sua própria génese funcionou democraticamente”. Não foi organizado pelas grandes chefias militares, mas pelos homens que estavam no terreno.

Ainda assim, o antigo militar destaca a adesão popular de que o 25 de abril foi alvo, pois “podia ter sido um golpe militar puro e simples, mas não foi. Não foram os militares que fizeram a revolução. Foi o povo”, conclui.

Mário Júlio Teles faz parte de um núcleo da Associação 25 de Abril, em Oeiras, onde reside, que fazem ações de formação nas escolas daquela zona, para ensinar aos mais novos, na primeira pessoa, o que foi realmente o 25 de Abril.

“Dá-me a ideia que houve desinteresse durante muitos anos, e que, atualmente podemos estar a assistir ao reatar desta geração de um novo interesse, mas não temos estatísticas”, conclui.

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(Texto de Rodrigo Leite, publicado em “O Ilhavense”, nº 1299, de 15/04/2022)