Sinto-me perdida!
Sento-me no chão de pedra do jardim, na sombra do centenário pinheiro, mantendo o olhar fixo nos campos que se estendem à minha frente, com um indesejado vazio como companhia. O mesmo que me acompanhará este mês. E, hoje! Mais do que nunca, sinto-o ganhar força.
O silêncio que me rodeia ameaça enfraquecer-me, atirando-me para o fundo de um poço de tristeza. Fecho os olhos, os pássaros calam-se acompanhando-me na minha melancolia.
O vento agita-se como uma caricia acalmando-me, permitindo que a minha mente viaje através do espaço e do tempo e me leve de volta para os braços de quem tanta falta me faz.
Deixo a minha mente transportar-me para as recordações de que necessito. Mais do que nunca, as únicas que me retirarão da inércia à qual o meu corpo lentamente se entrega.
Respiro fundo, permitindo que a minha mente viaje e, dou por mim na sala da minha bisavó Maria da Apresentação São Pedro Gomes. Sentada no cadeirão de pele, perto de uma das duas janelas de guilhotina, debaixo da qual está colocada uma mesa com pequenos animais esculpidos em marfim. Através da porta da sala consigo vê-la na cozinha. Pequena de estatura, mas com uma enorme força e carácter, da matriarca que sempre foi. Vestida de negro, com o seu coque grisalho sem um único cabelo fora do sítio, algo que infelizmente não herdei dela. Sinto o cheiro do café de cevada acabado de coar, no mesmo coador de pano que guardo religiosamente como lembrança desses tempos.
De olhos bem fechados respiro lentamente. Quero manter-me ali, onde fui feliz e onde sei que consigo encontrar a força de que necessito para ultrapassar as dolorosas lembranças do aniversário do nascimento de quem já não está presente.
O vento sussurra-me ao ouvido, aconchegando-me na sua calma, permitindo-me permanecer perdida nas minhas memórias.
Já não vejo a minha avozinha. Porém, ainda sinto o cheiro do café.
A casa está vazia.
Desço as escadas que rangem de cada vez que os meus pés pisam um degrau. Abro a porta da rua. Volto-me para a minha direita caminhando ao longo da Rua Dr. Samuel Maia.
Vejo caras sem rosto. Homens que cumprimentam levantando o chapéu em sinal de respeito. Mulheres descalças de cabaz na cabeça apregoam. Jovens pedalam as suas pasteleiras, a rir felizes, desaparecendo rapidamente num beco.
Sinto que não caminho sozinha, sinto a minha bisavó ao meu lado e, é a ela que todos aqueles rostos desconhecidos saúdam com deferência. Eu sou a sombra a quem foi permitida um regresso às raízes por me manter fiel a elas. A minha bisavó segura-me na mão, porque apesar de separadas pelo espaço e o tempo, o nosso sangue quente e, as saudosas recordações unem-nos.
Entrego-me à energia que emana da minha imaginação e dou por mim parada à porta da Igreja Matriz. Olho para a minha esquerda, sei o caminho que devo tomar, mas os meus pés recusam-se a obedecer-me. A mão da minha bisavó continua a segurar a minha.
Infelizmente fiz aquele mesmo trajecto demasiadas vezes. Não quero seguir pela Avenida da Saudade, porque me destrói as boas memórias que tento a custo preservar. Sinto um leve aperto no coração e, volto a sentir a sua força.
Volto-me!
Da rua com o nome do meu trisavô João Carlos Gomes vejo aproximarem-se as duas mulheres que tanta falta me fazem, caminham sorridentes na minha direcção, a minha avó Maria Madalena e a filha Maria Olívia Gomes Barreto Dias.
Continuam como me recordo delas. A minha bisavó sorri à filha e à neta. Quatro gerações que se reencontram, felizes por estarem juntas ainda que separadas no espaço e no tempo.
Vejo os seus lábios mexerem-se, mas o único som que escuto é o do vento. Sei que o meu tempo ali terminou, faço um esforço para me concentrar nos seus sorrisos. Porém a minha mente vergastada pelo forte vento do Norte traz-me de regresso a casa.
Sentada no chão de pedra, na sombra do pinheiro, abro os olhos, o dia perde a cor. Porém, sinto-me energizada. E hoje! Mais do que nunca, sei que não estou sozinha e que posso desejar-lhes um Feliz Aniversário sabendo que a vida delas não acabou.
Estarão sempre presentes!