AFONSO RÉ LAU

Inaugurado em 2013, o Aquário dos Bacalhaus do Museu Marítimo de Ílhavo celebrou, nos dias 11 e 12 de janeiro, o seu 7.º aniversário. Para celebrar, o Museu Marítimo de Ílhavo preparou uma série de atividades e propostas comemorativas, das quais destacamos uma visita especial aos “bastidores” do Aquário, onde os visitantes puderam perceber todas as particularidades técnicas de funcionamento daquele equipamento.

A visita foi orientada por João Pedro Bastião, 32 anos, curador do Aquário dos Bacalhaus. João Pedro formou-se em Turismo e foi nessa área que cumpriu o seu estágio no Museu Marítimo. No entanto, e uma vez que, já na altura, tinha formação em mergulho, surgiu a oportunidade de se dedicar a um projeto novo, um equipamento que viria a revolucionar a oferta expositiva, cultural e educativa do Museu – o Aquário dos Bacalhaus.

“Foi muito desafiante porque me obrigou a mudar completamente a minha área de estudos”, recorda o curador. João Pedro acompanhou a construção do Aquário enquanto se preparava para ser um dos principais zeladores. Estudou Biologia e estagiou no Oceanário de Lisboa, num percurso traçado com o intuito de “conseguir dar respostas a todas as necessidades” do aquário ilhavense.

Hoje, no Museu Marítimo de Ílhavo, trabalha nas duas áreas. À sua função principal de curador do Aquário e responsável por toda a componente biológica, João Pedro Bastião alia responsabilidades de representação externa do Museu em feiras e colóquios e ainda do serviço educativo, orientando visitas aos equipamentos.

O cérebro do Aquário

À partida para uma visita aos “bastidores” do Aquário, o que importa reter é que “tudo o que acontece lá em baixo tem repercussões no tanque principal”.

O primeiro espaço a visitar é uma sala técnica. É aqui que, por exemplo, estão os chillers, os aparelhos que fazem o arrefecimento da água. No seu habitat natural, os bacalhaus conseguem suportar temperaturas que podem ir dos -2ºC até aos 20ºC. No Aquário opta-se por ter a água sempre na casa dos 11ºC, “tendo em conta aquilo que os peixes aguentam e, claro, a fatura energética, uma vez que arrefecer a água é dispendioso”.

É também nesta sala técnica que se encontra uma unidade de produção que, por meio de uma descarga elétrica, transforma moléculas de oxigénio extraídas do ar em moléculas de ozono. “O ozono é o que dá a cor azul à água. Sem este equipamento, a cor da água do aquário seria escura e esverdeada e perder-se-ia o encanto de ver os bacalhaus”, assegura João Pedro Bastião. Para além das questões técnicas e biológicas, a componente expositiva do Aquário nunca pode ser esquecida. João Pedro consulta um computador que, apesar de parecer um simples PC de secretária, “é o cérebro do Aquário”. É a partir deste computador que é possível controlar tudo o que é eletrónico. “Tudo é gerido e monitorizado a partir daqui. Conseguimos controlar a temperatura da água desde os chillers até ao tanque principal, passando pelos tanques de quarentena, verificar anomalias e conferir ao ar condicionado do edifício, a temperatura ideal para os acrílicos do Aquário não ficarem embaciados”.

Apesar de todos os equipamentos parecerem estar automatizados, o fator humano é imprescindível. “Nós vimos cá todos os dias. No natal, no ano novo, todos os dias. As máquinas são falíveis e a monotorização tem de ser constante. O sistema está ligado aos nossos telemóveis e nós somos notificados caso alguma coisa esteja a correr menos bem”.

Só para dar um exemplo, João Pedro explica que, na eventualidade de uma falha de energia, como as que aconteceram em dezembro passado, o sistema está protegido com uma UPS (fonte de alimentação ininterrupta) e com um gerador que alimenta o suporte de vida do Aquário. “Enquanto a energia pública não é restabelecida, cabe-nos reabastecer o combustível do gerador. Depois de voltar a luz, como mecanismo de defesa, os aparelhos reiniciam a todo o gás e nós temos de vir cá retificar. Seja por defeito, seja por excesso, temos sempre de vir retificar o sistema”.

Falamos de uma equipa de apenas duas pessoas: João Pedro dedica-se mais à componente biológica e o colega – Paulo Soeiro – é responsável pelas componentes elétricas e mecânicas. Ainda assim, tratando-se de uma equipa tão curta, ambos acabam por “fazer um pouco de tudo”.
Esta sala técnica tem outra particularidade. “Em caso de catástrofe e rutura, toda a água do Aquário fica presa dentro deste espaço. É por isso que fica na quota mais baixa do edifício; é por isso que fica precisamente por baixo do tanque. “O objetivo é proteger as reservas do Museu, que estão guardadas num espaço contíguo. É uma medida de salvaguarda das coleções”.

O coração do Aquário

Se a sala técnica era o cérebro do Aquário, esta sala é o coração. Ao contrário do que se possa pensar, o Aquário dos Bacalhaus não utiliza água do mar, mas sim “água sintética”. A água é produzida e tratada de forma totalmente controlada nesta sala onde há todo o tipo de maquinaria e equipamentos de filtragem que garantem as condições de higiene e saúde da água.

“A cada mês, renovamos cerca de 30% da água do Aquário. Sempre que fazemos água nova – e fazemos cerca de 3 a 5 mil litros por semana – temos de verificar a salinidade”. Depois da eletricidade, a maior despesa do Aquário é com sal. A cada mês e meio, é adquirida uma tonelada de sal sintético muito fino – para fácil diluição – que, por não se produzir em Portugal, o Museu importa de Itália.

A zona de quarentena, por sua vez, compreende dois tanques de 5 mil litros que, sempre que necessário, recebem peixes que precisem de tratamento. É também o local onde são acolhidos os novos bacalhaus: fazem um protocolo de quarentena – quarenta dias nestes tanques com um plano de tratamento e adaptação, para eliminar qualquer bactéria ou doença – até se poderem juntar aos restantes peixes no tanque principal. A reação dos bacalhaus residentes, mais antigos, varia muito consoante a espécie ou o tamanho dos peixes a introduzir. “Se forem bacalhaus mais ou menos do mesmo tamanho, não há problema, a adaptação costuma correr bem. Se forem outras espécies, os bacalhaus são muito territoriais e, por isso, atacam”. Por isso, utiliza-se “uma gaiola de habituação que colocamos dentro do Aquário durante cerca de duas semanas. Nesse período, ambos – os bacalhaus residentes e os novos inquilinos – partilham o mesmo espaço, mas não estão em contacto. Findo esse período, são libertados e já estão habituados uns aos outros”.

Neste momento, para além de Gadus morhua (o bacalhau do Atlântico, o “nosso” bacalhau) o Aquário só tem uma abrótea. “Já tivemos experiências com outras espécies, escamudos e fanecas. A experiência das fanecas correu particularmente mal. Foi-nos oferecida uma remessa de fanecas, curiosamente, por alturas do [Festival] Rádio Faneca, mas, apesar de terem estado algumas semanas na tal gaiola de habituação, num curto espaço de tempo, foram devoradas pelos bacalhaus porque são muito pequenas”.
Em sete anos de atividade, o Aquário já recebeu “quatro ou cinco remessas de bacalhau”. Neste momento, tem cerca de 20 bacalhaus, mas dos originais já não resta nenhum exemplar. “O ideal é trabalharmos na casa dos 40. Chegando a primavera, está previsto chegarem mais peixes. Recebemos, aproximadamente, uma remessa nova a cada ano e meio”.

O maior pico de mortalidade é sempre durante o inverno e, principalmente, nos exemplares fêmeas. De novembro a março, as fêmeas estão em período de desova, mas, como estão fora do habitat natural e há pouca circulação de água, os machos nem sempre estão suficientemente estimulados. Se, nesse período, as fêmeas não forem muito ativas, acabam por não conseguir desovar, os ovos infetam e acabam por morrer.

“Nós não trabalhamos com capacidades superiores a 50 exemplares, mas isso é só um terço da capacidade do tanque”. No que diz respeito a estes reservatórios, as regras estabelecem que cada peixe de um metro de comprimento deve ter mil litros de água só para si. Ora, o tanque do Aquário dos Bacalhaus do Museu Marítimo de Ílhavo tem 150 mil litros, ou seja, poderia albergar até 150 peixes de um metro.

A alimentação dos bacalhaus

Ainda antes de voltar ao piso superior, passa-se por uma pequena sala onde é preparada a alimentação: petinga, lula, tintureira, mexilhão, berbigão e camarão são a base da dieta dos bacalhaus do Aquário. Os alimentos, provenientes da lota da Gafanha da Nazaré, são previamente congelados “para eliminar os parasitas da comida fresca” e, depois, preparados com todo o rigor. Tiram-se as espinhas, escamas e tripas e deixam-se só os filetes. “O alimento é limpo para não haver muitos detritos, mantendo a qualidade da água”.

Um bacalhau adulto pode atingir os dois metros de comprimento e alcançar os 90 quilos. Ainda assim, “é um peixe que come pouquinho”, diz João Pedro Bastião. “Como a temperatura da água é muito baixa, o bacalhau demora muito tempo a fazer a digestão dos alimentos. Por isso, [os bacalhaus do Aquário] só são alimentados de dois em dois dias, ingerindo cerca de 2% do seu peso corporal, qualquer coisa como 50 gramas por bacalhau”.

Come pouco, mas “é muito guloso”. Quando João Pedro se aproxima do Aquário, os bacalhaus rapidamente se reúnem junto dele. Sabem que a aproximação do técnico, quase sempre, é sinónimo de comida. Este não foi um desses casos e, aos poucos, os bacalhaus vão se afastando dali, nadando desiludidos. Por norma, a alimentação dos bacalhaus faz-se à superfície da água, mas, em situações excecionais, também podem ser alimentados em mergulhos de exibição. Por falar em mergulhos, João Pedro mergulha uma vez por semana para limpeza dos acrílicos – cada um com cerca de 12 cm de forma aguentar a pressão da água -, escovagem das rochas – que, por incidência da luz, ganham algas verdes – e aspiração – de forma a eliminar restos de matéria orgânica que está na água.

7 anos, milhares de visitantes

O Museu Marítimo de Ílhavo encerrou o ano de 2019 com o maior número de visitantes da sua história, superando em cerca de 1200 visitas o anterior recorde alcançado em 2018. De janeiro a dezembro do ano passado, foram quase 89 mil as pessoas que realizaram o percurso expositivo do Museu Marítimo e do Navio-museu Santo André. Confirma-se, assim, a tendência de aumento de públicos que se vinha evidenciando ao longo dos últimos anos, nos quais se destaca a “mítica fasquia de 1 milhão de visitantes” ultrapassada no primeiro trimestre de 2018.

Com estes números, o Museu Marítimo de Ílhavo é o museu municipal mais visitado em Portugal e está no top15 dos museus mais visitados do país.
Mas este aumento de interesse pelo museu ilhavense deve-se muito, acredita Bastião, ao Aquário. Tanto que, recorda, o recorde de visitas do Museu Marítimo de Ílhavo na fase pré-Aquário não chegava aos 60 mil visitantes num ano e, só em 2019, quase atingiu os 90 mil.

Com tanta gente a visitar o Aquário, João Pedro já testemunhou todo o tipo de reações, mas confessa haver duas, algo frequentes, que “mexem” consigo: “a genuinidade das crianças, que duvidam sempre que este peixe é mesmo um bacalhau, dado ser tão diferente daquela aparência espalmada que estão habituadas a ver no supermercado” e o “saudosismo dos homens mais velhos, antigos pescadores de bacalhau, que se lembram deles assim”. “É uma grande emoção para eles reviverem o trabalho duro que tiveram quando eram mais jovens”, recordando-o não só nas memórias das embarcações e dos instrumentos, mas também na figura do ‘fiel amigo’.

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