Quem nunca comeu uma fartura com a Gafanha da Encarnação como pano de fundo, que atire a primeira pedra. Sentado no muro, virado para a Bruxa, a antiga fábrica, a Ponte da Barra à esquerda. Existem muitas coisas boas nesta terra, e uma delas é seguramente esta: parar o carro em frente ao mercado da Costa-Nova, comprar meia dúzia de farturas e apreciá-las, com o palato, junto ao mar. Nesse momento, monta-se um espetáculo – gratuito – de tudo o que mais belo temos para oferecer. Aos nossos e aos que nos visitam.

Enquanto se tiram as primeiras farturas, duas gaivotas passam por perto, em voo rasante, como se estivessem a cumprimentar quem ocupa aquele lugar que é principalmente seu. Mais longe, um pequeno barco de pesca passa a caminho do porto mais próximo, eventualmente na Gafanha da Nazaré. Mesmo ali ao lado, dois pescadores à bóia tentam a sua sorte. Pelo que aparenta o balde, hoje tem sido um dia bom. Algumas tainhas e o que se assemelhava a sargos ou douradas. O medo de perder anzóis, chumbeiras e estropos inteiros fazia a diferença. Ali, a pescar ao fundo, era na certa inevitável perder alguns. E pior do que não pescar nada, é mesmo ficar sem o material.

Mais além, ouvem-se crianças a brincar. Muitas, porque o parque é grande. As crianças descalças divertem-se alegremente num parque infantil comum entre nós, com areia no chão, entre escorregas, baloiços e túneis. A parte boa da areia é que a queda é sempre amparada. A Maria Francisca não gosta particularmente de baloiços, mas o escorrega serve na perfeição. E escorrer descalça sabe ainda melhor. Construir castelos de areia que logo depois tombam, tal como Anne Frank nos contou. Mesmo os que, sem nada que os ligue, são erigidos a partir do chão. Sentir a areia entre os dedos e atirá-la ao ar. Só é pior – para os pais – quando ela cai na cabeça. Para ela, não é assim tão mau.

Para quem acha que a ria tem poucas ondas, e por isso menos encanto, basta atravessar o mercado e está na praia. Com mais ondas e mais areia. E menos ruído. Os passadiços ajudam a uma boa caminhada e o barulho do mar transformado em silêncio é digno de uma enorme e genial terapia. E se, do lado da ria, eram as gaivotas, os barcos e os pescadores à bóia que imperavam, deste lado, já sem rochas ou pontões, em pleno mar aberto, seis pescadores com canas de longo alcance e carretos a condizer, tentavam a sua sorte com chumbeiras mais pesadas e anzóis da mesma estirpe. Durante o tempo em que os mirei, um pouco à distância, não vislumbrei nenhum peixe a ser recolhido. Mas cada lançamento era sem dúvida digno de registo.

O passeio terminou exatamente na mesma altura em que se deram por esgotadas as razões que lhe deram a própria existência. O saco estava vazio, as farturas tinham chegado ao seu termo. Os guardanapos que as enrolavam já tinham servido para o propósito que lhes tinha sido dado. Já começava a ficar fresco, o fim da tarde aproximava-se. Só pena, diga-se, que o saco e os guardanapos tenham vindo connosco até ao carro. Não se vislumbrava um caixote de lixo no passadiço. Nem no caminho que teve de ser feito. Esta exceção, para quem é daqui, não levantou grandes dilemas. Aos que nos visitam certamente levantará. Valha-nos a natureza e aquilo que ela nos deu. E as farturas também.

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