Para uma criança em idade pré-escolar, estar fechada em casa e impedida de receber visitas pode ser desesperante. As saudades dos avós, da escola e dos amigos apertam, a impaciência aumenta e facilmente podem desenvolver-se sentimentos de tristeza, ansiedade ou frustração. Para os pais, tentar fazer face à ameaça invisível do vírus e, ao mesmo tempo, acompanhar os filhos, explicando-lhes o que se está a passar, estabelecendo rotinas e equilibrando horas de sono, de aprendizagem e de brincadeira, também não é nada fácil. Se, a tudo isto, acrescentarmos o facto de o período de quarentena coincidir com o aniversário dos miúdos, podemos estar perante um fator de preocupação acrescida. É que nas crianças, especialmente nestas idades, a experiência anual de mudança de idade é de grande importância. Assinalar mais um aniversário mostra-lhes que estão a crescer, ajuda-os a desenvolver consciência sobre a passagem do tempo e, quando a data é vivida em clima de festa, com a família e os amigos, ajuda-os a desenvolver a autoestima e estimula-os para a criação de boas relações.

Constança completou 6 anos em pleno período de quarentena. Numa situação normal, a mãe, Patrícia Lemos, teria reunido família e amigos e montado uma festa para celebrar o dia. No entanto, no panorama atual, as normas de saúde imperam sobre a tradição dos últimos anos e, pelo seu 6º aniversário, a menina não pôde ter nada disso. Ainda assim, o que poderia ter sido um dia triste e monótono, acabou por tornar-se um aniversário inesquecível. Constança teve direito a bolo, soprou as velas e ainda contou com a presença, ainda que em formato digital, de todos: família, amigos e até da sua princesa favorita, Aurora, a Bela Adormecida. Tudo isto, graças à Mafarrica, que é como quem diz, à jovem ilhavense Ana Manuel Castro. 

Ana Manuel, de 25 anos, é a cara da Mafarrica, uma empresa de animação de eventos, com sede em Ílhavo, que aposta em dinâmicas de entretenimento ligadas a personagens do imaginário dos mais novos e a técnicas inspiradas no teatro musical. A Mafarrica participa frequentemente em festas de aniversário, casamentos e em eventos empresariais ou escolares. No entanto, quando a pandemia começou a tomar grandes proporções, Ana Manuel não teve outro remédio senão suspender tudo o que tinha agendado. Alguns eventos ainda aguardam reagendamento, mas outros acabaram mesmo por ser cancelados.

Ana não ficou de braços cruzados. Como forma de dar a volta à crise, em tempos de maior confinamento, e percebendo a necessidade de os pais, principalmente aqueles que estão em regime de teletrabalho, proporcionarem momentos divertidos às crianças, começou a preparar algumas atividades para os mais novos desenvolverem a partir de casa. 

A primeira proposta foi uma maratona de cinema de animação. A Mafarrica selecionou um conjunto de filmes para serem vistos, um por dia, durante 36 dias. Os pais podiam ainda descarregar um caderno de atividades sobre cada filme, repleto de desenhos para colorir, labirintos, palavras cruzadas, jogos de observação, cálculo, exercícios de interpretação, propostas culinárias, artísticas e até experiências científicas. Estes cadernos temáticos foram desenvolvidos em parceria com o projeto “A Fada do Amor” e, mesmo depois de terminada a maratona, continuam disponíveis no site da Mafarrica.

De acordo com Ana, o desafio foi muito bem-recebido. “[Os pais] foram seguindo as nossas sugestões, principalmente naqueles dias em que faltavam atividades para fazer, e partilharam as suas sessões de cinema improvisadas através das redes sociais”.

Além da maratona de cinema, Ana Manuel tem feito emissões em direto através da página da Mafarrica no Instagram. Nestes encontros virtuais, que têm garantido espectadores não só de Portugal, mas também da Islândia, Angola, Brasil, Espanha e França, a animadora transforma-se numa personagem do universo dos filmes de animação (quase sempre uma princesa) e envia beijinhos para as crianças que a estão a ver, convida-as a participar em pequenas conversas e ainda lhes canta algumas das canções. “Estes momentos [as canções] são, provavelmente, os favoritos de crianças e pais”.

A primeira destas emissões em direto foi a 22 de março, com a personagem Rapunzel; uma semana depois, foi a vez da pequena sereia Ariel, desta vez, com a possibilidade de os seguidores escolherem uma das canções que Ana, perdão, Ariel, interpretaria em direto. A princesa seguinte foi Branca de Neve, e, desta feita, dezenas de crianças aceitaram o desafio de construir uma maçã vermelha para lhe “oferecer”. “Recebemos verdadeiras obras de arte”, orgulha-se a Ana Manuel.

No que à Mafarrica diz respeito, a mais recente novidade é a possibilidade de os pais “agendarem uma videochamada personalizada ou receberem uma mensagem pré-gravada com uma princesa à escolha”. Para os progenitores, impedidos de reunir família e amigos para celebrar aniversário das crianças, estas videochamadas personalizadas podem servir como alternativa para animar os mais novos. “Foi por isso que arrancámos com esta dinâmica, que permite levar um bocadinho de magia e alegria aos dias dos mais novos”, explica Ana Manuel.

A princesa mais requisitada é, “de longe, a Elsa, do filme ‘Frozen – O Reino do Gelo’. É a mais solicitada tanto agora, nos diretos, como para as animações que realizamos em eventos ao longo do ano”, relata Ana Manuel. 

Além de vestir os trajes e acessórios da personagem escolhida, Ana Manuel prepara o cenário, decora-o com as cores e os elementos que rementem para aquela história e consegue ainda apanhar os trejeitos da personagem que está a interpretar. Tudo, para conseguir “manter o sonho e a magia o mais despertos possível”.

Estas sessões são, assim, exercícios de caracterização e improvisação de grande exigência e intensidade. Afinal, interagir com crianças, por vezes, pode ser imprevisível. Contudo, no entender de Ana Manuel, o mais difícil é mesmo “conseguir ultrapassar a barreira da distância física”. “Quando estamos presencialmente com as crianças, tudo é mais fácil. Podem olhar nos nossos olhos, tocar nas nossas roupas e nos cabelos e isso alimenta muito a magia”, justifica.  

Ana Manuel Castro estudou música, canto, teatro musical e conta já bastante experiência na animação com crianças. Curiosamente, a sua formação base é em gerontologia e é nessa área que trabalha. “À semana, trabalho com a população sénior; aos fins de semana, dedico-me aos mais pequenos”, esclarece a jovem para quem, aparentemente estes dois mundos não são difíceis de conciliar. Ana está ligada às artes performativas desde muito cedo. Dançou durante cerca de dez anos, fez teatro amador e participou em vários projetos musicais – como a Pasteleira Roque Bande -, bem como em iniciativas do departamento de pastoral juvenil da diocese de Aveiro. Atualmente, faz também animação de casamentos e integra um grupo de teatro musical – o PALCOa4. Tudo isto, claro, a acrescentar ao seu projeto pessoal, a Mafarrica, empreendimento que lhe exige “esforço, dedicação e investimento”, mas cujo feedback “faz tudo valer a pena”: “desde cartas a fotografias, vídeos ou mensagens áudio com beijinhos de bom dia ou boa noite. [As crianças] enchem-nos o coração e fazem-nos acreditar que, efetivamente, aquilo que recebemos é muito maior do que aquilo que damos”.

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