No dia 12 de março, uma semana antes da declaração do estado de emergência, António Costa anunciava um primeiro conjunto de medidas restritivas que iam desde o encerramento das escolas e suspensão das aulas presenciais à proibição das visitas a lares de idosos ou a limitações na frequência de centros comerciais, restaurantes e serviços públicos. O primeiro-ministro falou ao país às 21h30 daquela quinta-feira; poucas horas depois, já dia 13 de março, a ilhavense Sofia Marques, de 29 anos, mais conhecida por mema., lançava “Perdi o Norte”, o segundo single do EP que conta editar até ao final do ano.

Sofia admite que a situação atual “dificultou a promoção do single”, mas afiança que o lançamento de “Cidade de Sal” – assim vai chamar-se o seu EP de estreia -, apontado para o próximo mês de outubro, não está em causa. O EP “está a marinar e a apurar desde o ano passado” e, segundo a autora, neste momento, “está pronto”. A jovem não esconde uma “enorme vontade” de dar a conhecer este trabalho e assegura que “enquanto tiver internet” tudo vai fazer para poder partilhar a sua música. 

Palcos virtuais, mas o mesmo calor

Nos últimos dois meses, foram milhares os eventos culturais por todo o país que tiveram de ser cancelados ou adiados. Segundo a artista ilhavense que, invariavelmente, também está a sofrer as contingências desta crise, “há, de momento, muita incerteza no ar sobre o que vai acontecer” e “é difícil saber se alguns dos compromissos que tinha marcados vão ser cancelados ou adiados”.

Foi no seguimento desta realidade que, no dia 17 de abril, mema. deu um concerto em direto, através do YouTube, a partir de casa. Uma exibição semelhante a outra que tinha feito nos primeiros dias do mês, ainda que, dessa vez, num formato acústico e através do Instagram. “Um pouco tímida com câmaras”, Sofia confessa que demorou algum tempo a render-se ao conceito. Ainda assim, depois de experimentar, ficou fã. “Criam-se momentos únicos [nestes concertos]”, diz a ilhavense, que realça a possibilidade de interação com os seguidores como o ponto alto das performances à distância. “Há uma cumplicidade e intimidade interessante com os fãs, que se aproxima muito do contexto do palco físico, mas com a comunicação [entre artista e público] facilitada”. 

Apesar das limitações impostas por cada plataforma, da qualidade do áudio e da luz (que nem sempre é a melhor) ou das intermitências da ligação – tudo desvantagens apontadas por Sofia -, a artista garante que estes espetáculos em direto “têm sido incríveis”, tanto que já afirma querer repetir. “Senti tanto, mas tanto carinho das pessoas. Houve muita gente que me ouviu pela primeira vez nesses livestreams e que fez questão de escrever isso mesmo e mostrar o quanto gostaram da minha música. Isso não tem preço, enche-me o coração”, acrescenta. 

Tal como mema., muitos outros criadores têm apostado nas potencialidades da internet e das redes sociais para, nesta fase de exceção, se apresentarem ao público. Todavia, à medida que o período de confinamento aumenta, o setor começa a discutir estratégias e plataformas para que estas atividades desenvolvidas no online possam ser devidamente remuneradas. Afinal, como nota Sofia, “ainda não dá para viver do ar. Muitos de nós vimos as nossas únicas fontes de rendimento a cair”.

Ballet não se aprende sozinho”

Se, na música, se desenrascam soluções de recurso, o mesmo acontece nas restantes artes performativas e nas escolas onde elas são lecionadas. Pedro Bola Marques, de 15 anos, natural da Gafanha da Nazaré, estuda no Conservatório Internacional de Ballet e Dança Annarella Sanchez, em Leiria, e frequenta o ensino articulado, também designado “ensino artístico”. Este regime permite-lhe estudar no ensino público, garantindo não só a flexibilidade de horários necessária aos exigentes treinos que a academia leiriense lhe determina, como dispensando-o de algumas das disciplinas do currículo regular para que se dedique ao ballet.

Por estes dias, no entanto, Pedro tem de contentar-se com aulas por videoconferência, um cenário novo que, longe de ser o ideal, é o possível. “Para nós, bailarinos, estar confinado a casa é mau. O ballet não é uma disciplina que se aprenda sem um professor. Nas aulas presenciais, [os professores] estão ao nosso lado, podem corrigir-nos posições ou dar outras indicações. Nas aulas por videoconferência, estamos sozinhos”. Para Pedro, estas aulas à distância são bem-vindas, mas servem unicamente como solução provisória. A prazo, não serão viáveis. Uma opinião que parece ser partilhada pela direção do Conservatório. “Para quem aspira tornar-se bailarino, os momentos que vivemos são bem difíceis, mas ninguém consegue formar-se sozinho”, pode ler-se numa publicação na página daquela academia no Facebook, a mesma plataforma onde recentemente alertou para a importância das condições de trabalho nas casas de cada aluno.

Foi no seguimento destas recomendações, e, principalmente, de forma a acautelar o aparecimento de lesões, que Pedro teve de desencantar um espaço, em casa, onde pudesse realizar as aulas nas melhores condições de comodidade e segurança possíveis. Um dos primeiros desafios foi o chão. Por norma, o chão das salas de ballet é em madeira, mas, em casa, ou Pedro retirava toda a mobília da sala ou tinha de arranjar uma alternativa. Foi o que fez, com a ajuda dos pais: “O chão da minha garagem é em tijoleira, mas nós revestimo-lo com linóleo – um tipo de revestimento de piso impermeável e ligeiramente aborrachado; depois arranjámos uma barra e aplicámos na parede”. E eis que, na garagem da família, em plena quarentena, surgia uma sala de ballet improvisada.

Pedro e os colegas terão de sujeitar-se a este novo regime enquanto for necessário, na certeza de que, quanto maior for o período em que não puderem ter “aulas normais”, mais prejudicado sairá o seu desenvolvimento enquanto bailarinos. É que se os bailarinos são artistas, também são atletas. A capacidade física que se lhes exige é fruto de muitas horas de treino intensivo. “Além das aulas de ballet, também temos exercícios de preparação física. Nos últimos tempos, como as aulas de ballet não são fisicamente tão fortes, investimos mais tempo na preparação física, corremos, saltamos à corda, etc”, explica o jovem bailarino. Treinos que, certamente, farão toda a diferença quando voltar a tentar o apuramento para as finais do YAGP – Youth America Grand Prix. Recorde-se que, em dezembro de 2019, em Barcelona, Pedro Bola Marques tinha sido um dos portugueses qualificados para a fase final do YAGP, a maior competição de dança do mundo, que deveria ter acontecido no passado mês de abril, em Nova Iorque. Com as fronteiras fechadas e o escalar da pandemia nos Estados Unidos, o concurso acabou por ser cancelado e os apuramentos ficaram sem efeito.

A Pedro, como a todos os bailarinos que tinham sido selecionados nas eliminatórias continentais, resta voltar a tentar.

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