Estamos em Agosto e sabe a férias de verão.
Aceito bem a hipótese de que, por ser “invenção” recente, como explica José Soeiro, numa recente crónica de opinião (Expresso, 07.08.2020: https://expresso.pt/opiniao/2020-08-07-A-invencao-do-verao), nesta altura, dá-nos para despir os hábitos e costumes, e espreguiçarmo-nos ao sol, sem fazer contas à vida, vivendo…
Da minha parte, mandei o narrador de férias. Sentia-se cansado, pois!
Vai parecer ironia, mas confesso, que foi num mês de Agosto que escrevi o meu primeiro texto. Farto de férias e sem os amigos da escola, virei-me para o caderno. Tinha feito qualquer coisa que não agradou à minha mãe, porventura chatear a vizinhança, e levei um sermão que me fez ir para o quarto, chorar. Encontrei o caderno e fiz uma composição de duas folhas A5. Lembro-me perfeitamente do episódio, e não consigo recordar-me do tema da composição.
Com o narrador de férias e esta memória bem presente, gostaria de partilhar a importância que, para mim, vem tendo o jornal local, O Ilhavense; e, desta forma, fazer os, nunca atrasados, agradecimentos à antiga equipa e os, sempre desejados, bem-hajas à nova.
Quando me convidaram para escrever para o jornal local, não tive, logo, consciência da ousadia daquela equipa. Num momento tão crucial do jornal e no contexto de uma elite local bem (re)conhecida, escolher um tipo desconhecido podia ser um “tiro nos pés”. Talvez tenha sido, mas nunca o soube.
Para mim, hoje em dia, o jornal local poderá (ou deverá) ter a função de criar o espaço da liberdade de expressão para jovens talentos da escrita narrativa. Como se sabe, não existem, em abundância, oportunidades para quem gosta da escrita narrativa, bem como para ser lido nesse estilo. Além disso, como expressão artística e cultural, a escrita narrativa está a sair do ´mainstream artístico-cultural’, para dar lugar a outras formas artísticas e culturais mais visuais, sensitivas e de consumo rápido.
Aliás, as crescentes reflexões ‘facebookianas e twitianas’ são a manifestação mais paradoxal do declínio da escrita narrativa, ou seja, da forma da escrita narrativa se consumir a ela própria.
Na opinião que me sobra, entendo que o jornal local, aproveitando os recursos de edição, publicação e divulgação existentes (físicos e digitais), tem o poder (ou dever) para ser a ‘residência artística’ de talentos locais da escrita narrativa, os seus lugares de ensaio e de experimentação, e, assim, a possibilidade de geração de novos artistas locais neste domínio artístico-cultural.
Um dia, gostaria de oferecer a este jornal local, um tal best-seller da autoria de um tal escritor de Ílhavo, que começou a escrever para o seu jornal local já adulto, saindo, finalmente e para sempre, do armário do escritor narrador!