Enquanto assistia ao Debate das Autárquicas de Ílhavo no Canal Central, ao início, senti-me velho, com idade para ter juízo (como me diz a minha avó) e, sobretudo, descomprometido com os desígnios da cidade natal. Só depois percebi que não era um sentimento de falhanço. Na verdade, a actual política autárquica de Ílhavo não me agrada porque sou sempre obrigado a escolher o mau menor, e não devia ser assim.
O debate ideológico local não existiu (a candidata do CDS chegou a referir-se ao candidato do PSD como “o nosso candidato”; o candidato do BE disse “se não votarem BE não é o fim do mundo”). A agenda política do debate esteve colada às prioridades de investimento previstas nos próximos Fundos Europeus Estruturais de Investimento (o candidato do PSD referiu-se a eles como “um abono”) e no Plano de Recuperação e Resiliência (o candidato do CHEGA até teve tempo para dizer “isso está tudo dado”). Os partidos ditos progressistas estavam representados pelas elites sociais (homem, classe média, ensino superior, profissional qualificado), enquanto os partidos ditos conservadores representados pelas minorias sociais (mulher, classe popular). Várias vezes, o candidato do PSD referiu-se aos seus eleitores e às suas eleitoras com paternalismo (“a mentalidade que nós temos ainda de portugueses”, “com o devido respeito dos espectáculos populares, serão realizados com determinadas condicionantes para não descer a um nível… para ter um mínimo de qualidade”), e só o candidato do CHEGA e a candidata do CDS o confrontaram. Os candidatos do PS, PCP e BE não conseguiram, juntos ou separados, propor nenhuma alternativa à política actual, confrontar o tom neoliberal dos candidatos do PSD e do UPF (o candidato pelo UPF substituiu “governação autárquica” por “administração de capital humano”) e, acima de tudo, anular as reivindicações e as propostas dos candidatos do CHEGA e do CDS, algumas muito legitimas e inteligentes (mesmo que populares).
Estava a dizer que a actual política autárquica de Ílhavo não me agrada porque, também, faltou no debate, de forma aberta e com confronto democrático (como, ao início, sugeriu o candidato do PSD), abordar as temáticas que, actualmente, deviam interessar às populações locais, e que tinham a capacidade para ser intercaladas com as seleccionadas para o debate (como sugeriu o próprio moderador mais do que uma vez). Sugiro quatro:

(i) Saúde Pública. No rescaldo de uma pandemia e lockdown que levou à interrupção da programação das actividades da Câmara Municipal (culturais, desportivas, educativas, recreativas) – sobretudo aquelas que maior qualidade de vida proporcionavam à população juvenil e idosa – e com focos de contaminação em equipamentos sociais e em empresas do Município, faltou discutir o que está a ser feito para melhorar a saúde mental e física da população mais afectada e quais são as responsabilidades que uma Câmara Municipal deve ter (políticas e executivas) em relação aos equipamentos e empresas sediadas no seu território. Em tempo de eleições, não me basta a lista das acções da Câmara, acompanhada de uma intensa propaganda nas redes sociais; preciso de ler relatórios de avaliação de impacto dessas mesmas acções, que sejam públicos, acessíveis e desenvolvidos por entidades externas e acreditadas (p.e., Universidades); e saber quais são acções em curso para garantir a qualidade dos equipamentos socais e das empresas locais.

(ii) Transferência de competências, descentralização de políticas e regionalização. Num contexto de dependência dos poderes locais (incluindo Juntas de Freguesia) às agendas das Comunidades Intermunicipais e, sobretudo, das Comissão de Coordenação e Desenvolvimento Regional (que gerem os tão apreciados Fundos Europeus), mas também de uma política nacional activa de transferência de competências e poderes da Administração Central para os Municípios e Comunidades Intermunicipais (p.e., nos domínios da educação, saúde, acção social), faltou debater como Ílhavo, que só viu aumentada a sua população em cerca de 640 indivíduos de 2011 a 2021, se está a preparar para assumir e executar, democraticamente, essas competências e poderes. Num tempo de eleições, eu queria ter sabido, também com relatórios de avaliação de impacto, o que foi feito/pensado/negociado pelo actual Executivo (e não pela Comunidade Intermunicipal) e quais são as reivindicações e as propostas dos partidos à corrida pelos órgãos do poder autárquico.

(iii) A ordenação do território, o seu desenvolvimento económico, social e cultural, a valorização dos recursos endógenos e o marketing territorial (nacional e internacional). No tempo da mercantilização dos territórios e dos seus recursos endógenos (natureza, pessoas, culturas) e da competitividade latente entre territórios para captar a sua maior fonte de rendimento, o turismo (a Costa Nova não é uma praia de Aveiro como os Ovos Moles não são um doce regional de Ílhavo), nada foi referenciado sobre a elaboração, à escala municipal, de diagnósticos de avaliação e planos estratégicos, bem como de planos de marketing territorial, que definam, de forma transparente e participada pela população (as pessoas que são, frequentemente, os agentes das culturas e os protectores/valorizadores da natureza), o que e como se pode explorar os recursos endógenos e, acima de tudo, como será distribuída a riqueza dessa exploração (e mercantilização). Mais uma vez, num tempo de eleições, eram as propostas de futuro do actual Executivo que me interessavam e, por outro lado, as diferentes posições e alternativas propostas pelos demais candidatos, para saber que vai estar a governar o meu Município nos próximos 4 anos.

(iv) Por fim, a transparência e a racionalidade da governação/gestão autárquica. Num Município que investiu 1,7 milhões de euros numa rotunda ou viaduto que não resolveu problemas de congestionamento como era previsto, mas que se tornou numa bela porta de entrada para, lentamente e dentro do meu carro, ver os murais a caminho da Costa Nova (normalmente, os murais são para se ver em espaços pedonais e abertos); 1,5 milhões de euros num Centro de Religiosidade Marítima (cujo comentário terá lugar quando conseguir digerir o conservadorismo ali presente); e 1,1 milhões de euros na requalificação do centro urbano, onde é preciso tirar a carta de condução outra vez para compreender tantas cedências de passagem, que não promove o peão e os meios suaves, nem a ligação à envolvente das piscinas (faltam corredores verdes e sombra, e uma linguagem urbanística comum entre os espaços que se querem ligar)… Ficou por questionar/confrontar por que razões foram aprovados 2,6 milhões de euros (conto os 2 últimos investimentos) de um orçamento de 6,2 milhões de euros do PEDU (+/- 40%), para financiar apenas 2 operações de reabilitação urbana num centro urbano que nem é o único do Município e, só por curiosidade, nem é tão dinâmico e necessitado de reabilitação urbana como é o outro (o da Gafanha da Nazaré).
Tendo dito tudo, só me resta continuar a acompanhar os nossos candidatos, procurar mais informações sobre eles e as suas agendas, e, no dia 26 de Setembro, ir votar.

Por Pedro Rocha

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