Junto ao Porto de Aveiro, na Gafanha da Nazaré, está o Ecomare-Laboratório para a inovação e sustentabilidade dos recursos biológicos marinhos da Universidade de Aveiro, um projeto que tem várias valências, mas que se pode dividir em dois. O Centro de Extensão e de Pesquisa em Aquacultura e Mar (CEPAM) e o Centro de Pesquisa e Reabilitação de Animais Marinhos (CPRAM). E se o CEPAM é mais dedicado à aquacultura ou à biotecnologia, no CPRAM, tal como o nome indica, o foco está no estudo, resgate e reabilitação de animais marinhos.
“A nossa estrutura engloba o centro de reabilitação e uma parte dedicada à investigação de animais marinhos”, referiu a diretora da unidade relacionada com a conservação e a reabilitação de animais marinhos no ECOMARE, Catarina Eira, explicando que, para além da parte da reabilitação, “temos a outra parte, mais relacionada com as amostragens, com as avaliações das populações, com a parte mais dedicada a conservação e às ameaças a que estas espécies estão sujeitas”.
A bióloga da Universidade de Aveiro revela que já passaram cerca de três mil animais marinhos pelo CPRAM, entre mamíferos marinhos, aves marinhas e tartarugas marinhas.
“Dentro dos mamíferos marinhos, temos os cetáceos e as focas”, explica Catarina Eira, destacando o facto das focas só “aparecerem mais nos meses de inverno, portanto, só em dezembro e janeiro é quando costumam aparecer aqui focas”.

De Caminha até Peniche

O raio de ação do CPRAM para o resgate de animais é diferente entre os diferentes tipos de animais, porque há muito mais aves marinhas que mamíferos ou tartarugas. “No caso dos mamíferos marinhos e das tartarugas, nós temos um raio de ação desde Caminha até Peniche”, refere a bióloga, explicando que, no caso das aves marinhas, o raio de ação do CPRAM é mais local, lembrando que “há épocas em que temos muitos animais. Por exemplo, agora, que temos uma grande entrada de animais, não estamos a conseguir mesmo ir recolher”. Nesses casos, a cooperação das pessoas, da polícia marítima e dos bombeiros é essencial.

Taxas de sucesso

Atualmente, o CPRAM tem cerca de 22 aves internadas
As taxas de sucesso na recuperação dos animais são muito diferentes de mamíferos para aves, como explica Catarina Eira. “No caso das focas, a taxa de sucesso é altíssima”, porque normalmente estão fracos e não têm patologias associadas muito graves.“Mais de 90% das focas se recupera”. As tartarugas também “são animais muito resistentes, que reagem muito bem aos tratamentos”, mas no caso das aves marinhas, “normalmente temos cerca de 50% de taxa de sucesso”, revela a bióloga, explicando que, a maior parte das vezes, as aves “trazem fraturas incontornáveis, ou seja, já nos chegam com fraturas muitas vezes expostas, as fraturas são estilhaçadas e não há nada a fazer nesses casos”.
Por fim, os cetáceos, que Catarina Eira confessa ser o grupo com mais difícil resolução. “Os animais quando arrojam doentes na praia, já estão num nível de patologia tão avançado que não se consegue reverter”, explica a bióloga, referindo que os “animais que arrojam por problemas físicos, ou seja, por traumas ou por alguma interação com alguma rede ou com algum palandre, aí sim, consegue-se reverter, se o animal não tiver uma patologia associada”.

Mortalidade elevada

Catarina Eira avança que, este ano já foram recolhidos 190 animais, entre golfinhos, baleias e bôtos. “Vamos chegar ao fim do ano com mais de 200 animais recolhidos”, o que representa “das mais elevadas mortalidades desde que temos registos, e fazemos isto há mais de 20 anos”.

A ameaça das artes de pesca

A maior ameaça para os animais marinhos é mesmo a captura acidental em artes de pesca. Nos cetáceos, nas tartarugas e nas aves marinhas, que, para além da pesca, são ameaçadas por outros problemas, como “a intoxicação por biotoxinas”, para além dos traumas, “que são embates contra embarcações de pesca, contra postes de eletricidade e até contra carros, porque as aves marinhas são cada vez mais urbanas e temos muitos casos desses de animiais com problemas mais urbanos que marinhos”.
Para Catarina Eira, a captura acidental destes animais é um problema de “todos os países que têm uma grande frota pesqueira, que têm uma grande tradição da pesca”.
“Não é um problema com solução à vista, e também não entendemos que seja um problema que qualquer pescador queira causar”, afirma a bióloga, revelando que “até agora têm sido feitos esforços para diminuir e não têm sido obtidos bons resultados”.

Falta de conhecimento

A diretora do CPRAM contou que, apesar dos projetos que têm com as escolas do município, “para alertar para estas problemáticas e também para dar a conhecer o Centro de reabilitação”, “a verdade é que já me aconteceu ir buscar um golfinho morto à praia, e, as pessoas não terem qualquer conhecimento aqui do nosso centro, mas, mais importante, ou mais grave que isso, também não tinham conhecimento que uma espécie muito comum, como o golfinho-comum, existem milhares” na nossa costa. “A população está estimada em mais de 50 mil na nossa costa”, revela a bióloga, lamentando que “as pessoas eram aqui da zona e nem sequer sabiam da existência destas espécies nas águas da sua terra”. “Lembro-me de outro caso, aqui na praia da Barra, em que fomos lá buscar um golfinho, e um senhor me sugeriu que nós puséssemos painéis nos passadiços a informar sobre as espécies”.
Para Catarina Eira, “o evidente é que a informação não está a chegar a toda a gente. Acho que é uma coisa muito interessante e que as pessoas de cá deveriam estar cientes deste tipo de coisas”.

Diagnóstico e tratamento

Quando uma ave marinha é recolhido para o CPRAM, “vai para a sala de triagem, onde é feito um primeiro exame físico, tira-se uma amostra de sangue para avaliar como é que está a nível de hidratação e para depois sabermos que tipo de medicação esse animal pode receber, é feita a pesagem, para sabermos quais são as doses que se tem que dar, e avalia-se se é preciso outro tipo de meio de diagnóstico”. Se houver uma fratura, “faz-se um raio-x, mas pode ter de se fazer uma endoscopia ou uma ecografia”, explica a bióloga, congratulando-se pelo Centro estar apetrechado com todos os equipamentos necessários para estes exames. “A partir daí inicia-se um protocolo de tratamento”, diz, explicando que “no fim de uma toma de antibiótico, faz-se uma reavaliação, faz-se o peso, para ver se o animal manteve ou aumentou de peso”. Quando o animal estiver em boas condições, “é passado para um tanque exterior, para aumentar a mobilidade dos membros, para fomentar a alimentação e depois é libertado”.
No caso dos golfinhos e tartarugas, “tentamos sempre ir levá-los para zonas afastadas da costa”, para diminuir a possibilidade de que lhes volte a acontecer alguma coisa.
Nas tartarugas e focas libertadas, é-lhes colocado um chip sub-cutâneo, enquanto nas aves são aplicadas anilhas de metal e de plástico, no caso das gaivotas.
São raros os casos dos animais que regressam ao CPRAM pela segunda vez, depois de terem sido reabilitados, mas a bióloga Catarina Eira confessa que já aconteceram “dois casos desses, com gaivotas, que são animais mais sedentários e ficam aqui pela zona”.
Veterinários
e biólogos

A equipa que atualmente trabalha no CPRAM é composta por 15 pessoas, entre médica veterinária, biólogos, alunos de doutoramento, de mestrado e outros alunos de biologia integrantes ou com ligação à Universidade de Aveiro.

Planos para o futuro

Catarina Eira revela que o objetivo para o futuro passa por “continuar a tentar lutar para diminuir a captura acidental nas artes de pesca”, “tentarmos perceber melhor como é que o bôto utiliza a nossa zona”, depois de perceberem que esta é uma zona de grande concentração da população ibérica do bôto.

Informações úteis

Caso encontre um destes animais marinhos em dificuldades, contate com o Centro de Pesquisa e Reabilitação de Animais Marinhos através do número: +351 919 618 705.

Rodrigo Leite

Publicado no jornal O Ilhavense de N.º1310 de 1 de outubro de 2022