A Livraria Xylocopa vai encerrar este seu capítulo na Praça da República em Ílhavo no final deste mês. Pelas nossas contas, vendemos milhares de livros, estivemos presentes em mais de uma dezena de feiras ou mostras de livros e recebemos centenas de pessoas na nossa loja presencial, para a compra e venda de livros e/ou para desfrutarem das atividades que fomos dinamizando: clubes de leituras, apresentações de livros, chás de poesia, oficinas de costura, encontros de tricot, entre outros.
Mas como um livro é feito de muitos capítulos e este é apenas um, sabemos que o projeto da livraria vai continuar noutros registos, como o digital e outras parcerias na área da mediação da leitura.
Quando uma livraria (sobretudo uma livraria independente) fecha, por norma, seguem-se manifestações de pesar pela confirmação de que uma espécie de reduto do nosso património cultural já não tem lugar nos dias de hoje. Muito embora isso seja verdade, é verdade também que o pequeno negócio que representa é equiparável a tantos outros que desempenham uma importante função de âncora social. Muitas vezes, as pessoas que estão atrás de um balcão de um negócio local são a primeira linha de acolhimento para muitos problemas de solidão, desajuste ou carência social espelhados na comunidade mais próxima. E todos nós, apesar de não termos formação específica em psicologia ou serviço social, atendemos, ouvimos e ajudamos quem entra na porta da nossa loja, independemente do produto ou serviço que vendemos.
A Praça da República, como todas as praças, não é feita de casas ou lojas, mas de pessoas. Como os clientes do Café Ilhavense, sempre prontos para ajudar quando uma porta se encrava ou um farol da bicicleta se quebra. Como o Sr. João, que transportou generosamente dezenas de tijolos para a nossa montra dedicada ao Festival Rádio Faneca do ano passado. Como a Cristina e a Carol, comerciantes locais, exemplos de resiliência, constantemente a reinventar-se para oferecer o que têm de melhor aos seus clientes. Já nos era familiar o cheiro a roupa lavada que enchia o ar proveniente de uma das lavandarias existentes, o sabor do café tirado pela D. Lurdes no Café Ilhavense e as idas e vindas dos moradores, as suas particularidades e idiossincrasias, a preferência por livros de Fernando Pessoa, teatro ou um tipo específico de romance. Vamos ter saudades de tudo um pouco e temos muito orgulho de ter feito parte deste microcosmos. Acima de tudo, estamos gratos por termos ficado por ter tido oportunidade, não sendo de Ílhavo, de falar e conhecer tantos ilhavenses, as suas histórias e as da terra, em suma, o seu espírito.
Quando abrimos a livraria, apelidaram-nos de “extraterrestres”. Temos a sensação de que ter livros à venda e ver pessoas à volta de uma mesa a falar sobre livros numa loja de rua em Ílhavo já não é assim tão estranho como antes e a presunção de que essa experiência vai perdurar com algum impacto. Para o provar, convidamos todos que assim o desejarem a deixar uma pequena mensagem na nossa montra até ao final do mês.
Até ao final do mês igualmente, vamos manter a nossa agenda de atividades: temos uma oficina de escrita criativa dinamizado por Sofia Inês Creoulo no dia 15, sábado e a 22, no sábado seguinte, uma oficina de costura de um porta-bolos pela já nossa conhecida Mariana Paulo da Lemon Sewing Studio Upcycling.
Porém, dada a ocasião, vamos celebrar a memória conjunta e o tempo da nossa livraria na Praça da República numa edição especial do Quiosque da Memória, no dia 21, Dia Mundial da Poesia, depois do jantar, pelas 21h30, em conjunto com o jornal Ilhavense e a Quinto Palco. Desta vez, as leituras do arquivo d’O Ilhavense serão à volta do tema “Poesias”. Convidamos todos os nossos amigos e clientes para construírem novas memórias em conjunto nesse dia à boleia da poesia, que, como sabemos, faz cada vez mais falta e é uma boa panaceia para todo o tipo de males da alma.
Texto publicado no nº 1369 d’O Ilhavense, de 15 de março de 2025.
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