Catarina Semedo Oliveira, de 17 anos, viajou para a Índia, onde vai estudar durante os próximos dois anos. Por sua vez, Sofia Vizinho Santana, já vai festejar o 17º aniversário na Tanzânia. As duas jovens ilhavenses foram selecionadas para integrar colégios da rede United World Colleges e vão concluir o ensino secundário no estrangeiro.
Os UWC (United World Colleges) são uma rede de 18 colégios internacionais espalhados um pouco por todo o mundo que oferecem a alunos dos 16 aos 19 anos a possibilidade de, durante dois anos letivos, estudarem e viverem no estrangeiro e com jovens de mais de 80 países.
O primeiro UWC surgiu em 1962, no País de Gales, no Reino Unido. Foi fundado com base nos princípios do pedagogo alemão Kurt Hahn, que acreditava que “a escola deve ser uma preparação para a vida e não apenas para a universidade”. O grande objetivo destes colégios, explica a Associação UWC Portugal a’O Ilhavense, é “dar-lhes a conhecer outras perspetivas, proporcionando-lhes uma visão muito mais abrangente do mundo”.
Em termos de currículo formal, a meta nos UWC é a obtenção do Diploma International Baccalaureate (IB) ou Bacharelato Internacional, que “privilegia a importância da aprendizagem através da experiência, do serviço comunitário e das atividades ao ar livre”.
A primeira aluna portuguesa a frequentar um UWC fê-lo há precisamente 50 anos e, desde aí, foram já mais de 200 os alunos portugueses selecionados para participarem em cursos UWC. Entre esses alunos conta-se, por exemplo, o atual ministro da defesa, João Gomes Cravinho e, agora, estas duas jovens ilhavenses.
O mundo dos UWC
Estudar num país diferente, conhecer colegas de todo o mundo, viver num ambiente multicultural em que, “na mesma sala de aula encontra-se um aluno com estatuto de refugiado e outro proveniente de uma família real europeia” – é este o cenário que espera Sofia e Catarina nos próximos dois anos.
Ter conhecimento dos UWC foi “uma coincidência”, conta Rita Vizinho, mãe de Sofia. “A Sofia teve conhecimento do projeto em cima da hora de fecho das candidaturas, mas assim que o viu disse ‘Mãe, eu tenho de tentar!’. Identificou-se logo com os valores dos UWC e nós [a família] também”.
“Foi tudo muito espontâneo”, conta Catarina. “Na véspera de ano novo, a minha professora do 1º ciclo encontrou-me, falou-me dos UWC e disse que achava que tinha tudo a ver comigo. Fui pesquisar e apaixonei-me [pelo projeto]. No início, foi um pouco difícil porque não é algo comum em Portugal, aos 16 anos, dizer ‘quero ir estudar para um país diferente’. Mas, felizmente, consegui convencer os meus pais”.
Sónia, mãe de Catarina, confirma a hesitação inicial: “apoiá-la numa decisão destas não foi nada fácil. A Catarina tinha a vida organizada, sabia o que queria para o futuro”. No entanto, recorda, “assim que tive conhecimento do projeto, vi logo que era a cara dela”.
Os alunos dos colégios UWC são selecionados por comités nacionais em mais de 150 países. E para um candidato ser selecionado “não basta ter boas notas”. Muito pelo contrário: “Se for apenas para tirar boas notas, podem continuar em Portugal”, afirma a UWC Portugal. A seleção “tem por base as potencialidades dos candidatos e outros aspetos promissores demonstrados”.
Só em 2019, quase uma centena de jovens portugueses candidatou-se a um lugar nos UWC. Com apenas 15 vagas disponíveis, a seleção teve de ser criteriosa. Catarina conta que, passada a primeira fase, uma pré-seleção de 30 jovens participou num fim-de-semana, em Lisboa, “durante o qual participámos em diversas atividades, debates, discussões, tivemos uma entrevista e apresentámos um projeto social”. Também nesta fase, psicólogos traçam perfis psicológicos, emocionais e intelectuais dos alunos. Finalmente, cabe ao comité selecionar os candidatos que estão mais aptos para integrar os UWC, bem como decidir para que colégio cada um vai.
Os UWC preveem a atribuição de bolsas de estudo que, em alguns casos, podem chegar aos 100%, e que cobrem custos com propinas, alojamento, material escolar, alimentação e atividades organizadas pelo colégio. A comparticipação é determinada consoante os rendimentos do agregado familiar. Para isso, ainda em fase de candidatura, o agregado familiar de cada candidato deve submeter toda a documentação financeira. É a disponibilidade financeira das famílias que determina a bolsa que os candidatos recebem. Em caso de comparticipações de 100%, a família só terá de suportar as viagens de avião e o chamado “pocket money”, uma mesada para despesas pessoais.
Tanzânia “foi uma grande surpresa”
Catarina e Sofia candidataram-se ao movimento educativo dos UWC e não a um colégio ou país em particular. Foi o comité português que, depois de as conhecer, escolheu Catarina para o UWC Mahindra, na Índia, e Sofia para o UWC East Africa, na Tanzânia.
A Tanzânia, “foi uma grande surpresa”, confessa Sofia. O UWC East Africa, localizado numa encosta do monte Kilimanjaro, a mais alta montanha africana, funcionava como escola internacional desde 1969. Foi já no decorrer do processo de seleção dos candidatos para o biénio 2019-2021 que o colégio terminou o seu processo de integração e passou, oficialmente, a fazer parte da rede UWC.
A mãe de Sofia, Rita, admite ter ficado “um bocadinho assustada”. “Quando disse a colegas e amigos meus que a Sofia ia estudar para a Tanzânia, chamaram-me maluca. É uma loucura uma mãe que gosta muito de uma filha deixá-la partir para um país a 25 horas de distância e na expectativa de ficar lá, pelo menos, dois anos”. A filha prefere relativizar a questão: “Enquanto europeus e portugueses alimentamos uma imagem de África que estagnou nas palavras dos avós” e que nem sempre corresponde à realidade. A mãe acaba por concordar: “A Tanzânia escolheu a Sofia e eu acredito que ela vai crescer imenso”.
Também para Sónia, mãe de Catarina, a notícia quanto ao colégio de destino caiu como uma bomba. “O dia em que me telefonaram a dizer que ela tinha sido selecionada para o colégio indiano foi muito complicado para mim. Comecei uma espécie de ‘luto’ de filha”, partilha.
Já para Catarina, “foi fantástico”. A jovem ilhavense diz que o UWC Mahindra, na Índia, “sempre foi um dos meus favoritos, apesar de os meus pais e restante família estarem um pouco reticentes devido aos estereótipos criados à volta deste país e pelo facto de ser tão longe”.
Ensino português “não lhes enche as medidas”
Alunos e famílias não escondem que esta vontade ir estudar para fora está relacionada com o crescimento pessoal, o ímpeto de conhecer novos mundos e viver experiências diferentes, mas também se deve a um certo descontentamento com o ensino português.
Para Sónia Semedo, mãe de Catarina, “em Portugal, o ensino é demasiado teórico e vive-se muito na sombra do exame e da média. Não se valoriza o conhecimento”. Rita Vizinho, mãe de Sofia, acrescenta que, por cá, “a escolha [quanto a uma única área de estudos] impõe-se-lhes numa altura em que boa parte deles ainda não sabe o que quer seguir”. Rita recorda-se que Sofia, “quando escolheu seguir artes visuais, ficou com pena de ter de abandonar algumas matérias das áreas das ciências ou da literatura”.
Esse é, aliás, outro dos grandes atrativos dos cursos UWC. O Bacharelato Internacional permite que, dentro de certas normas, sejam os alunos a selecionar as suas disciplinas.
Podem, por exemplo, conciliar economia e química ou história da arte e biologia. Sofia, que terminou o 11º ano na área de artes visuais na Escola Secundária José Estêvão, em Aveiro, pode agora abraçar matérias como a psicologia ou a sociologia. Já Catarina, que vem da área das ciências e tecnologias e completou o 11º ano na Escola Secundária Dr. João Carlos Celestino Gomes, em Ílhavo, vai somar à matemática, à biologia e à química, disciplinas como política global, teoria do conhecimento, literatura inglesa ou espanhola.
Dois anos de aventura e de saudades
Este será o mais longo período que Catarina e Sofia passam “fora do ninho”. E, para as famílias, estas primeiras semanas não estão a ser fáceis. Rita sabe que a filha “está num ambiente muito controlado, vigiada e bem acompanhada”, mas reconhece que “a saudade aperta”. “As tecnologias ajudam muito nas saudades”, afirma Sónia. “Quando vemos que ela está bem, nós também ficamos bem. E nos momentos em que ela estiver mal, seremos nós a ter que estar bem para lhe darmos força. Mesmo que seja complicado, mesmo que a distância custe”. Rita conclui: “Há que confiar que ela vai fazer um percurso muito bonito. Não dá para cortar as asas a uma andorinha quando ela quer voar”.
“Portugal será sempre uma opção em aberto”, admite Sofia. Também Catarina diz que “mais tarde ou mais cedo, acabarei por regressar”. Por mais voltas que o mundo dê, ou que elas deem ao mundo, acabarão por voltar a casa, ao ninho. Como as andorinhas.