Há um domingo no ano, que é sempre o primeiro de setembro, em que o nosso Ílhavo se veste de festa. São os arcos luminosos e os tapetes de erva doce e flores nas ruas da cidade; as mantas púrpuras, douradas e brancas, suspensas nas janelas; os fatos novos ou lavados e os sapatos engraxados; as bandeiras penduradas nos barcos da Malhada.
Neste domingo do ano, aqueles “lugares à mesa” do David põe-se todos cá fora, nos passeios e nas estradas cortadas ao trânsito, e a nossa família cresce em cada porta onde entramos, em cada janela onde encostamos. São as tias Ção e tios Zés. Os amigos e amigas que são primos e primas afastadas. A prima do pai e o tio da mãe, a outra avó e outro avô dos primos… E todas as linhas juntas de uma linhagem que é (um)a Terra, que é a Humanidade.
Um domingo no ano para escancarar as grandes portas da igreja e deixar sair a velha marcha, esta chamada de procissão por se dizer solene e religiosa. São as filarmónicas a marcar o ritmo dos bastões das irmandades; dos trajes das Confrarias e Associações; dos homens que carregam o pesado andor de um Senhor Jesus dos Navegantes – um vai descalço – e das suas mulheres; dos que seguram o pálio que protege o sagrado e dos que se protegem na sua sombra; das crianças que são anjinhos, Marias e São Josés, e das que levam ramos de flores de plástico; e de todos e todas aquelas e aqueles, que seguem atrás com promessas e dores que não se veem.
Domingo! Primeiro de setembro! Há sempre uns que vêm e outros que partem. Choram-se ambos. São as coincidências que a vida nunca esquecerá e a morte guardará para sempre. As certezas e as esperanças que dão alento ao ano. As ladaínhas para afastar os males e os piores e as orações para chamar as fés e as sortes. São o que nos resta!
Há sempre um domingo no ano, o primeiro de setembro, quando podemos ver o município a encontrar-se, primeiro, para se prostrar diante do Divino e, depois, para trocar impressões sobre os lugares d’ali e d’acolá. São as pessoas que fazem as tradições e as tradições que fazem as pessoas. As realidades que se tornam notícias e as notícias que passam a ser a realidade. A imaginação de uma comunidade e uma comunidade imaginada. Enfim, um povo, uma população.
Um domingo, sempre o primeiro e em setembro, quando me pergunto: se este domingo não houvesse, como celebraria esta cidade os seus navegantes e as navegantes atrás deles?