Numa das muitas inúteis lições de economia que recebi, aprendi o conceito de variação homóloga. Foi um dos primeiros indícios que me levariam a concluir que estaria a frequentar um curso que não consistiria em muito mais do que a intelectualização do senso comum (não que isso não seja importante).
Afinal, a variação homóloga – a comparação das mesmas datas em anos diferentes – era o que eu fazia em todos os natais, todos os aniversários, todos os primeiros de agosto e todos os fins-de-semana da Nossa Senhora da Saúde.
Por isso, a romaria é, para mim, muito mais pessoal do que religiosa ou social. É, se quiserem, familiar. Uma incontestável dose de puré de maçã servida pela minha tia ou um Brick Game comprado em 1998 que durou exatamente um fim-de-semana (e foi bom enquanto durou, que a vida já é tétrica para ainda ficarmos a chorar pelo Tetris perdido).
É, portanto, um momento de comparação homóloga. De verificar que em outros anos havia mais ou menos coisas, mais ou menos carrinhos de choque, uma procissão mais ou menos arrebatante – arrebatamento que, confesso, não me considero capacitado para avaliar. Mais ou menos gente à mesa e maior ou menor bulício para provar o puré ou para jogar Brick Game que já não podemos comprar, não porque somos demasiado velhos, mas porque já nem há quem venda máquinas de Brick Game na Senhora da Saúde.
Há poucos anos vim a tomar conhecimento de um hábito que não me pertence, mas que pertence a esta festa e que consiste em adquirir velas com o formato de determinados órgãos do corpo humano. O fito é, suponho, curá-los ou melhorar a sua condição. Gostaria de ter uma vela dessas em formato de um cérebro para poder terminar esta crónica de um modo eloquente, mas acho que seria sucumbir ao desejo dos que prefeririam que estas crónicas fossem de vela.
Este ano, à data em que escrevo estas linhas, ainda não estive na festa. Mas conto estar, para ver como estão as coisas e para ver como estou eu. Para provar o puré de maçã e lembrar-me do tempo em que jogava Brick Game, ou que comprava pijamas para o inverno, ou que me custava a brindar no almoço de domingo porque o jantar de sábado durou mais do que a conta e nem as velinhas me safaram.
Mas hei-de pensar também, se a Senhora me deixar, que talvez em 2050 este almoço seja todo vegan e venhamos todos de bicicleta, a ver se o mar não nos leva a capela e os cérebros de cera não vão todos dar umas braçadas para o Atlântico. Será uma pena, se assim for, mas vale-me saber que o puré de maçã é inteiramente vegetal e que, sejam como forem as marés, aquela pontuação no Tetris em 1998 já ninguém ma leva.