Os dias estavam mais curtos,o sol nascia mais tarde e também se punha mais cedo, mas continuavam lindos.
O quintal da Sílvia parecia um daqueles quadros que se vendiam na Feira de Março. As árvores iam ficando nuas, as folhas douradas estrumavam a terra e lá no fundo, o marmeleiro que este ano ostentava o fruto grande e amarelo que até dava pena apanhar. Desde que se tinha casado com o seu Luís e herdado aquela casinha que era dos seus avós, o pedaço de terra era um acrescento para o governo da casa.
Lindo, lindo era o canteiro enorme que todo o ano tratava com enlevo, as raquelinas cor de rosa velho, os lírios roxos e amarelos e os crisântemos, junto ao muro no sitio mais húmido, os fetos e o espargo que este ano estavam verdinhos que metiam raiva.
Todos os anos por esta altura, mulheres robustas com uns aventais de bolsos grandes, com uma rodilha no braço e um molho de panos grandes e usados, vinham do norte comprar aquelas flores criadas nos quintais das mulheres que tal e qual a Sílvia tratavam todo o ano e que juntamente com a costura,a malha e a seca, servia de complemento aos seus homens que no mar alto andavam…
Estava a aproximar-se o dia dos finados e as primeiras compradoras não tardavam a andar pelas ruas e becos na procura das flores mais lindas e cheias para as venderem nos mercados do norte. Depois de tantos cuidados, de tantas ervas catadas, de tanta rega da água do poço puxada a braços, era chegada a hora de as colher com todo o jeito, arrumá-las no meio dos panos e amarrando cruzando as pontas, as mulheres lá carregavam as trouxas uma a cada braço e outra na rodilha à cabeça.
Ó senhora, sente-se aí que lhe vou buscar uma caneca de café acabadinho de fazer, é só coar! Olhe, quer uma padinha cá das nossas, aparei da minha padeira à pouco, bem cozidinha?…
As gentes daqui são assim, há sempre uma cafeteira de café em cima do fogão.
Faziam-se as contas, dois dedos de conversa, o estômago confortado e a camioneta estaria a chegar, na paragem já se fazia fila. A mesma mulher, para o ano e se tudo corresse bem cá estaria novamente para comprar as flores da Sílvia.
Mãe, este ano fazes marmelada?
A Sílvia pegou no lenço onde guardava as moedas e deu ao filho, para ir buscar açúcar à loja dos Amadores, à noite iria começar a feitura da sua gostosa marmelada!
Enquanto ia cozinhando fazia contas à vida, quem dera a hora do seu Luís chegar da faina… era tão dura esta vida mas era a vida de muita gente.
Tinha que se deitar, amanhã seria novo dia.
Foi fechar a porta e apagar a luz do pátio, olhou para as flores com que tinha ficado, eram para enfeitar onde descansavam os seus avós dos quais tinha tantas saudades e tantas recordações, especialmente do café coado na hora e da padinha com uma generosa fatia de marmelada.