Em tempos de pandemia, facilmente o discurso se deixa habitar por metáforas e, à boa maneira portuguesa, muitas delas estão relacionadas com o mar ou o meio náutico. Vejamos: quem já não ouviu dizer, a propósito desta crise, que “estamos todos no mesmo barco”? Que se espera uma “melhor maré”, mas ainda há o risco de “nova onda” de contágios? Pois bem, foi também esta figura de estilo – a metáfora – que, na impossibilidade de se celebrar a Revolução nas ruas, ajudou a dar mote para uma festa diferente do habitual: “A liberdade também canta em águas paradas” e, pelo 25 de abril, cantou-se a partir de Ílhavo.

A emitir da Rádio 23 Milhas, montada no primeiro andar da Casa da Cultura, o festival Liv(r)e partiu de Ílhavo para todo o país, “de Atenor a Lisboa e de Miranda do Douro a Castro Verde”. Ao todo, ao longo dos três dias de emissão – 24, 25 e 26 de abril -, o 23 Milhas calcula que “mais de 62 mil pessoas” tenham assistido a este festival de música em streaming que o projeto ilhavense organizou em parceria com o coletivo lisboeta Camaleão e a plataforma A Música Portuguesa a Gostar Dela Própria. O festival foi emitido em simultâneo em todas as páginas das entidades organizadoras (o que, por si só, já garantiria um alcance significativo) e foi ainda transmitido, em 105.0 FM, pela Rádio Terra Nova, contando, por isso, com o auditório da emissora sediada na Gafanha da Nazaré.

Além de juntar artistas de vários pontos de Portugal, com tudo o que isso representa em termos de reconhecimento e ativação do território, o festival acabou por ser um exercício não só de liberdade e trabalho em rede, mas também de homenagem à música popular portuguesa e à sua diversidade. Destaque para a música feita e divulgada a partir do interior do país, em sítios em que é mais difícil comunicar e projetar o que se cria.

Cada parceiro pôde escolher quatro artistas para se juntarem ao festival e cantarem a liberdade neste abril de incertezas. No Liv(r)e atuaram, a partir das suas casas ou estúdios pessoais, Clã, Galandum Galundaina, João Berhan, Adélia, João Francisco, Pedro Mestre, Mariana Root, Edgar Valente, Tiago Sami Pereira, Tiago Jesus e Vasco Ribeiro. De Ílhavo, o músico Quiné Teles tocou a partir do sótão da sua casa, com o apoio técnico, no vídeo, de João Roldão.

Os concertos tiveram a duração aproximada de 30 minutos e, claro, foram pagos. “Somos claramente contra o aproveitamento desta fase. Uma coisa é quando há uma catástrofe social e os músicos se juntam para angariar fundos. Neste momento, a catástrofe está também do lado dos músicos”, frisa Luís Ferreira, diretor artístico do projeto 23 Milhas.

“O 23 Milhas prossegue naquele que considera ser o seu papel, agora ainda mais premente, que é o de assegurar que a cultura do dia a dia se mantém, e agora se reinventa, tanto nos meios como nos conteúdos”. Neste sentido, a Rádio 23 Milhas continua a emitir, de segunda a sexta-feira, na página do 23 Milhas no Facebook e através da frequência da Rádio Terra Nova. Existe ainda um Guia de Navegação em Casa, com sugestões de conteúdos e atividades para os tempos de confinamento, lançado semanalmente.

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