Um passo necessário, embora insuficiente, para se atingir uma desejável igualdade salarial (e não só) entre homens e mulheres é o de criar as condições legais para uma verdadeira igualdade de oportunidades.
A equidade salarial possibilitada pela igualdade jurídica exige um “ambiente” propício para a alteração de mentalidades e para a mudança de atitudes. Um caminho que, se tem sido prosseguido nas últimas décadas, também é afectado por factores de inércia e até de obstrução que devem ser removidos.
Para tal, importa que o quadro legal assegure verdadeiramente um conjunto de condições que teimam em não serem tão efectivas como seria justo e desejável. Falo, por exemplo, da necessidade de assegurar e fiscalizar a transparência salarial, designadamente quanto a remunerações não discriminatórias para candidatos a emprego, a consagração do direito de conhecer os níveis de remuneração para o mesmo trabalho, a concretização de políticas de formação e qualificação profissionais que erradiquem a desvantagem do emprego feminino em alguns sectores e funções, o estabelecimento de políticas públicas de discriminação positiva (por exemplo, através de incentivos financeiros ou fiscais), de natureza temporária até se atingirem níveis de equidade retributiva, ou a obrigatoriedade de as empresas, a partir de uma determinada dimensão, terem um provedor para a igualdade no trabalho.
Na União Europeia, tem havido várias iniciativas, quer a nível parlamentar, quer a nível da Comissão. Esta apresentou, este mês, uma proposta com o objectivo de garantir maior igualdade salarial entre as mulheres e os homens na UE. A presidente da Comissão, Ursula von der Leyen, fez uma feliz síntese do propósito anunciado: “Para o mesmo trabalho, a remuneração deve ser igual. E, para que exista igualdade de remuneração, é necessária transparência. As mulheres devem saber se os seus empregadores as tratam de forma equitativa. E, caso contrário, devem poder reagir e obter o que merecem”.
É claro que devemos olhar para as estatísticas com preocupação, mas também com cuidado e rigor. Ou seja, um número que é sempre uma síntese exige uma análise detalhada sobre o que significa e o que lhe subjaz. O principal indicador é a percentagem de disparidade salarial entre mulheres e homens, que na UE é de 16%, e que no nosso país, segundo o Eurostat, andará pelos 17,5%. Ora, dissecando estes valores, encontramos muitas causas que devem ser encaradas como prioritárias para a aproximação ao preceituado nos tratados europeus e na nossa Constituição de “para trabalho igual, salário igual”. Identificando algumas dessas causas, temos uma maior incidência do trabalho feminino em part-time (na UE, 31% contra 9% nos homens, embora em Portugal seja de 11,6% contra 8%); uma maior concentração do emprego feminino em áreas económicas com mais baixos salários e, ao invés, sub-representação em sectores tecnológicos de ponta, em lugares de chefia, quadros superiores e decisores; as limitações por interrupção de carreira, designadamente devido à maternidade e apoio aos filhos menores; e o estigma do desemprego, que afecta mais a mulher que, por esse facto, se sujeita a contratações por menor salário.
No fim da vida activa, esta desigualdade é reproduzida no valor das pensões. A Segurança Social deveria majorar as pensões das mães com uma justa bonificação por cada filho.
Em suma, um longo caminho ainda a percorrer, que pode ser acelerado se houver vontade política para além dos discursos, um maior concertação e vinculação entre os parceiros sociais e uma acrescida exigência junto dos empregadores.
Por António Bagão Félix
O autor não segue o chamado Acordo Ortográfico