Hugo Calão

 

Contar histórias é fácil! Contar a História e corrigir o que se conta já requer outro métier … Marques Gomes contou, “desconhece-se a sua proveniência. Diz-se que foi comprada em Lisboa nos fins do século XVIII e trazida então para Ílhavo. Em 1808 não teve a sorte de tantas outras que foram parar às mãos dos franceses, pelo decreto de Junot, porque a pessoa que a tinha sob sua guarda, a ocultou numa cova que abriu sobre a abobada do coro da igreja e ali a conservou até 1814 ou 1815. Todos a julgavam perdida, quando num dia de festividade aquele indivíduo a foi desenterrar e atravessou com ela triunfante por entre a multidão que enchia o vasto templo onde ecoou logo um brado uníssono de alegria e agradecimento ao vê-la. Bem disseram todos então feliz lembrança do honrado juiz da igreja em esconder a custódia, salvando assim das garras do invasor tão preciosa alfaia”.

Falamos da custódia da igreja de Ílhavo, uma soberba peça de transição entre o tipo de custódia com hostiário em forma de templete, para hostiário circular totalmente liberto de elementos arquitetónicos. É uma das mais referenciadas custódias ao nível nacional, presente nas exposições de Arte Ornamental de Lisboa, em 1882, onde foi fotografada por E. Biel, e ainda na exposição de Arte Religiosa de 1895 em Aveiro, e mais tarde, na Exposição de Ourivesaria Portuguesa dos séc. XIII a XVII, realizada em 1940 em Coimbra, para a qual foi restaurada, entre outras mais.

Mede quase um metro de altura e pesa quase 7kg de ouro e prata.

Embora sem marcas de ourives, poderemos apontar com possível datação 1572-1578, com semelhanças na custódia-cálice de Belém (o nó), e igual morfologia nas três custódias de fabrico de Aveiro de menor dimensão existentes no Museu Machado de Castro de Coimbra, na Misericórdia de Aveiro e na Paróquia de Vagos (a base e hostiário).

Hoje, após recente investigação, sabemos que Ílhavo teve como prior D. Pedro de Castilho, filho do arquiteto Diogo de Castilho, um dos homens mais importantes de Portugal durante o governo da dinastia filipina (1580-1640), onde ao abrigo do que ficara estabelecido nas Cortes de Tomar de 1581, a regência do Reino de Portugal devia ser sempre confiada pelo rei a um português, ou em alternativa a um membro da Família Real. Pedro de Castilho, depois de estar em Ílhavo, foi por duas vezes Vice-Rei de Portugal de 24 de Maio de 1605 a Fevereiro de 1608 e no ano de 1612.

O brasão de armas existente na base desta custódia assim o comprova, apresentando o seu escudo partido encimado de galero ou chapéu de dignidade de prior (de Ílhavo), com o chapéu sendo o 1° cortado de Taveira e Costa (lado materno) e o 2° cortado de Sá (também pelo lado materno) e Castilho (pelo lado paterno).

Ordenado sacerdote, foi prior da igreja de São Salvador de Ílhavo, por mercê do cardeal D. Henrique e nomeado deputado do Santo Ofício em Coimbra, onde iniciou funções a 16 de Fevereiro de 1575, e logo de seguida feito visitador da diocese de Coimbra quando nela era bispo D. Manuel de Meneses. Mais tarde beneficiado da igreja de Santo André de Celorico de Basto. Foi nomeado bispo de Angra em 1578 e bispo de Leiria em 1583, sendo  inquisidor-geral do reino em 1604.

Deste modo demonstramos que a custódia de Ílhavo não foi comprada em Lisboa e existe na nossa Igreja há quase 450 anos.

É um tesouro nacional, pelo que deviria ser classificado como tal, de acordo com a Lei de Bases do Património Cultural, a Lei n.º 107/2001, de 08 de Setembro, que dá proteção legal dos bens culturais móveis.

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