Os meus velhos e as minhas velhas, que lá por casa andam avisando-me sobre as incertezas do futuro, nunca me esconderam o motivo da sua coragem para ultrapassar, vivos e vivas, a fome de uma guerra mundial, a ditadura e o fascismo de um estado, os medos e as mentiras de uma guerra colonial e, também, os sonhos desesperados de uma liberdade por nascer.
Amanhã, meu filho, temos de ser melhores do que somos hoje!
Porém, quando me sussurram ao ouvido, sinto as suas lágrimas escorrer no meu rosto e as palavras gagas dizerem-me “já não entendo nada” e “não sei como te ajudar”, enquanto me abraçam e me encorajam a continuar, porque para a frente é que o caminho.
Neste momento, que dura apenas o tempo de respirar fundo, de limpar as lágrimas e de respirar fundo outra vez, compreendo que os meus velhos e as minhas velhas passaram tempo demais em alto mar, sem notícias do mundo e sem as emoções dos e das amantes.
Compreendo, por fim, que, quem hoje come bacalhau, seja de que maneira for (das 1001 do cardápio), também come a gula de quem, com os pés bem assentes na terra, se alimentou da vida de uma geração inteira de homens e de mulheres, que fizeram tudo por uma comunidade imaginária, uma identidade nacional distante e um destino nunca realizável.
Por tudo isto, quando ouço e vejo os meus velhos e as minhas velhas inseguros por não saberem mais em que mundo vivem, chego bem perto, olho para eles, seguro-lhes a mão e pergunto “sabem quem sou? lembram-se de mim?”, para lhes ouvir “não, meu filho; já não te reconheço!”, e, assim, ter a certeza que sendo o caminho para a frente, haverá sem- pre quem fique para trás.
Este sabor amargo do bacalhau… tem a particularidade de se espalhar pela minha memória como uma bactéria que procura alojamento para viver, e, alojada, inicia o seu processo de transformação, numa direção ainda desconhecida.
Alegra-me, contudo, o desabafo dos meus velhos e das minhas velhas, quando, já ausentes, me dizem “orgulho-me de ti tal qual és, mesmo sem saber quem és e para onde vais”.
Neste momento, abraço-me aos meus e às minhas comparsas, para fazer o caminho que é para a frente e, pela última vez, olho para trás e vejo, com toda a certeza, o meu próprio futuro.