AFONSO RÉ LAU
Dragagens da ria desvendam artefactos com mais de 5 mil anos

Os arqueólogos que estão a acompanhar os trabalhos de desassoreamento da Ria de Aveiro tiveram “uma valente surpresa”. Em agosto, encontraram vários artefactos datados entre 4.000 a.C. e 3.000 a.C e uma estrutura submersa que pensam poder tratar-se do que resta de um antigo acampamento neolítico. As descobertas aconteceram no canal de Ílhavo, também conhecido como rio Bôco, entre a entrada para o esteiro da Malhada e a Gafanha de Aquém, a norte da ponte Juncal Ancho.

No contexto de uma empreitada como a de desassoreamento da ria de Aveiro, a missão dos arqueólogos que a acompanham é, sobretudo, preventiva. “Não estamos aqui pelo que conhecemos, mas para salvaguardar aquilo que ainda não conhecemos”, afirma Tiago Fraga, diretor científico desta equipa.

Mas a responsabilidade conciliar uma obra com a importância económica e a urgência social desta com a identificação de testemunhos da presença humana, não é tarefa simples. Implica, por exemplo, muitas vezes, “estar mais de 12 horas seguidas a bordo de uma draga à espera que algo apareça”, explica Tiago Fraga.

Era precisamente a bordo de uma draga que estava a arqueóloga Soraya Sarmento quando apareceram os primeiros artefactos pré-históricos em Ílhavo. Ao mesmo tempo, na zona de vazadouro (local destinado ao depósito provisório dos dragados) estava a colega Natália Quitério. Perante uma súbita alteração de valores na análise dos componentes dragados, as arqueólogas entraram em ação: Soraya, a partir da draga, deu a indicação a Natália; Natália confirmou o aparecimento das primeiras peças em vazadouro; Soraya tratou de registar a posição da draga para memória futura do local exato onde as peça haviam aparecido e, imediatamente, seguiu para junto de Natália. Mais tarde, foi esse registo do posicionamento da draga que permitiu efetuar mergulhos de arqueologia subaquática, nos quais se identificou a estrutura à qual as peças deverão estar associadas e que será, segundo Tiago Fraga, “o primeiro sítio pré-histórico subaquático em Portugal”.

Das peças encontradas, contam-se vários líticos (pedras talhadas, por exemplo, pontas de seta), um percutor (utensílio de pedra que servia para lascar) e um moente (ferramenta também de pedra utilizada para moer grãos). Quanto a cerâmicas, a primeira peça a aparecer, “uma das favoritas” de Soraya, foi um pedaço de uma taça, em que se destaca a presença de uma asa e de uma “decoração mamilar”, característica do neolítico. Os arqueólogos pensam que a peça original teria duas asas e, entre uma e outra, a todo o perímetro, estas saliências – os mamilos – como elemento decorativo. Outro dos vestígios descoberto, da mesma tipologia do anterior, ainda que mais grosseiro, é novamente um pedaço de um recipiente, mas que, ao invés de uma asa, tem uma pega. Há ainda outro achado digno de relevo – uma fração de uma parede cerâmica de um jarro com várias incisões e desenhos ondulados.

Estes exemplares são o que Soraya Sarmento chama “boas cerâmicas”, uma vez que “permitem datação, desenho e estudos comparativos”. As peças restantes são apenas fragmentos e têm mais relevância do ponto de vista quantitativo. “Estes materiais são extremamente raros e nós encontrámos uma grande quantidade, no espaço de um mês, naquele local”. A arqueóloga explica que, ao contrário de outros períodos cronológicos, nos quais é preciso aparecer muita cerâmica num local para o mesmo ser considerado sítio arqueológico, “um sítio pré-histórico determina-se com muito pouco material e nós temos imenso”.

“De todas as vezes que a draga esteve junto àquela mancha, apareceu sempre qualquer coisa”. É, por isso, “muito provável encontrar mais peças naquele local”, diz Soraya.

(Leia na íntegra na edição em papel)

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