AFONSO RÉ LAU

Rui Maio é engenheiro civil e está prestes a concluir o doutoramento na Universidade de Aveiro. A’O ILHAVENSE, conta que o interesse pessoal pela preservação do património surgiu “por acaso”, aquando da sua participação no World Heritage Young Experts Forum, na Alemanha, em 2015. A ideia de criar uma associação portuguesa de defesa do património cultural viria a surgir um ano mais tarde.

Foi, então, em 2016 que Rui conheceu Andrea Macchia, presidente da YOCOCU – YOuth in COnservation of CUltural Heritage. Estavam, à data, em Madrid, na 5ª edição da Conferência Internacional da YOCOCU.

O italiano desafiou Rui a “importar” aquela associação para Portugal. Rui aceitou o desafio e começou a reunir a equipa que haveria de vir a fundar, no final de 2018, a YOCOCU Portugal. Esta associação sem fins lucrativos tem sede no Departamento de Engenharia Civil da UA e assume como seus, “a mesma missão e os mesmos princípios da YOCOCU internacional”.

À semelhança das associações homónimas em Itália e Espanha, “a ideia da YOCOCU Portugal é sensibilizar a sociedade e despertar consciências – principalmente nos jovens em início de vida adulta – para as questões do património e para a importância da sua valorização e preservação”. Além disso, nas palavras de Rui Maio, a YOCOCU Portugal quer “contribuir para o estreitar de relações entre diferentes gerações de profissionais e o tecido tecnológico e empresarial, promovendo a sua participação em iniciativas e atividades dedicadas ao desenvolvimento e dinamização do património nacional”.

Quanto à tal equipa formada por Rui, trata-se de um grupo multidisciplinar, que integra estudantes e profissionais de vários pontos do país: alunos de doutoramento e mestrado das universidades Católica do Porto e de Aveiro, estudantes de engenharia civil, de geociências, restauradores, historiadores, engenheiros de materiais e profissionais ligados às áreas do turismo e do património.

“Despertar consciências”

À partida para uma missão como esta é importante perceber em que medida é que a sociedade portuguesa está ou não desperta para a importância da preservação do património, da herança cultural e das memórias coletivas.

Rui, que está mais do que inteirado destas questões, remete-nos para as conclusões do Eurobarómetro “Os Europeus e o Património Cultural”. Neste estudo, desenvolvido pela Eurostat para a Comissão Europeia, em 2017, a população portuguesa destaca-se entre os Estados-membro pelo valor que atribui ao património cultural. O estudo conclui que 96% dos portugueses considera que o património cultural é importante para o país; 93% afirma mesmo “sentir orgulho” num monumento ou local histórico, obra de arte ou tradição da sua região; a mesma percentagem de inquiridos concorda que o património cultural deve ser ensinado nas escolas; 79% diz que viver numa zona considerada como tendo valor patrimonial cultural aumenta a qualidade de vida; 84% é da opinião que as autoridades públicas deveriam atribuir mais recursos à valorização e preservação do património cultural e 55% acha que é missão das autoridades nacionais, regionais e locais protegê-lo.

Quando se fala do envolvimento dos portugueses com o património cultural é que as coisas mudam de figura: só 17% diz visitar regularmente museus, monumentos, festivais ou concertos. Para além disso, Portugal é o país da União Europeia com a percentagem mais baixa da população a afirmar ter visitado um museu ou galeria nos doze meses anteriores a este inquérito (27%). E porquê? Para os portugueses, a principal barreira de acesso a locais ou atividades relacionadas com o património cultural é a falta de interesse (45%), seguida do preço (35%), falta de tempo (29%) e falta de informação (28%).

Portugal é, por tudo isto, “um caso paradoxal”, afirma Rui Maio. Como diz o provérbio popular: “Bem prega frei Tomás, olha para o que ele diz, não olhes para o que ele faz”.

Palheiros são património em risco?

No que respeita à região de Aveiro e às instituições com a responsabilidade de decidir e atuar sobre o património, Rui reconhece que “tem sido feito algum trabalho de preservação e valorização”. Ainda assim, afirma que “a YOCOCU quer contribuir com discussão, projetos de investigação e mão-de-obra para melhorar ainda mais estes processos”.

Nos últimos tempos, Rui tem-se dedicado à área do património cultural costeiro, que engloba, por exemplo, as embarcações da ria, os antigos palheiros de armazenamento das artes de pesca e o Farol, todos eles, valores patrimoniais ilhavenses.

No caso específico dos palheiros, Rui admite que a criação de uma casa-museu ou um pequeno centro de interpretação “poderia ser interessante”. No entanto, para o presidente da YOCOCU Portugal, a preservação da herança histórica, cultural e construtiva destes edifícios não passa obrigatoriamente pela criação de um desses espaços. “As técnicas de construção dos palheiros são uma memória patrimonial que poderia estar alojada num local já existente – por exemplo, o Museu Marítimo de Ílhavo – uma vez que é impossível dissociar aquele tipo de construções das atividades piscatórias e ligadas ao mar”.

Rui alerta para o facto de, nos últimos anos, ter-se assistido à progressiva renovação de vários edifícios na frente-ria da Costa Nova sem que se tenha tido o cuidado de conservar as técnicas construtivas originais. Para o engenheiro civil, “a lei protege intervenções de fachada” e isso pode estar a por em risco este património. “Edifícios que eram integralmente de madeira, hoje em dia, nem os interiores têm de madeira. Antigos palheiros são totalmente demolidos para, na melhor das hipóteses, serem reconstruídos com uma reprodução da fachada mais ou menos fidedigna em termos visuais e completamente adulterada em termos patrimoniais”, explica.

A solução – se é que existe – só poderá passar pela legislação. “Os proprietários não estão cientes das vantagens e desvantagens dos vários tipos de construção e a maior parte das empresas não está na disponibilidade de construir com materiais e segundo técnicas mais próximas das originais”. Assim, “só uma iniciativa legislativa, com incentivos fiscais, poderia promover a preservação dos palheiros e das técnicas de construção que, originalmente, os ergueram”, assume Rui Maio.

Primeiro seminário na Vista Alegre

O primeiro seminário com a marca “YOCOCU Portugal” será subordinado ao tema do “Património Cultural Industrial Cerâmico”. O evento realizar-se-á no dia 26 de outubro, no Laboratório das Artes da Vista Alegre, e é aberto a todos os cidadãos, estudantes e profissionais interessados pelas questões da preservação do património.

Falando deste tipo de indústria cerâmica, a opção pela Vista Alegre foi óbvia: “A fábrica da Vista Alegre é uma grande referência a nível nacional e até europeu. Foi a nossa primeira e única escolha”. Ainda assim, Rui Maio entende a opção pela Vista Alegre e pelo Município de Ílhavo também como “um incentivo à descentralização do poder, da cultura e do turismo”. “Teria sido muito mais fácil encher uma sala em Lisboa ou no Porto, mas distribuir a cultura é mais importante que isso”, afirma.

(Leia na íntegra na edição em papel)

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