Foto: Inês Barreira

(Por: Diogo Ferreira)

“WYSIATI” é o novo álbum de himalion e, acabado de lançar, conversámos com o músico sobre todo um processo que viajou por Ílhavo, Açores e EUA.

“WYSIATI”, que é o acrónimo para what you see is all there is (em português: o que vês é tudo o que existe), é o título do álbum e vem dum conceito criado por Daniel Kahneman, que procura explicar a nossa tendência em tomar decisões baseadas apenas na informação disponível, sem considerar o que possa ser desconhecido. Como combates essa tendência?
Artistas ou não, e independente do grau de curiosidade, todos sofremos desse viés, seja a tomar grandes decisões de vida ou decisões no dia-a-dia. Todos temos um conhecimento limitado sobre as coisas, e no processo de fazer uma escolha acabamos por preencher essa lacuna, ou o resto da história, com a melhor informação que temos disponível, sem considerar o que não sabemos, e muito menos sem considerar aquilo que não sabemos que não sabemos. O conceito “WYSIATI” tenta explicar esse fenómeno, com a finalidade de nos lembrarmos de levar um pouco mais de tempo a pensar, e de tentar procurar saber mais sobre o que desconhecemos antes de formar uma história/opinião. Um exemplo simples que me lembro é aquela anedota em que um indivíduo pergunta a outro se ele saltaria de um avião por um milhão de euros. À partida o indivíduo diz que não, ao que o outro pergunta: “e se o avião estiver pousado?” No entanto, uma ferramenta que usei neste novo álbum, para tentar manter as coisas frescas, foi o de fazer perguntas a mim mesmo, às vezes quasi-esotéricas, e que acabaram por levar a resultados a que eu nunca teria chegado se não tivesse feito aquela pergunta daquela maneira. Falo de perguntas musicais, do estilo: “será que consigo fazer um trio de sopros parecer um padrão de dedilhar de guitarra?” ou “o tempo nos Açores está sempre a mudar, será que consigo imitar isso numa música?”

Gravaste em vários sítios, como no teu puppy garden studios, Casa da Música de Ílhavo, entre outros. É certo que tudo vai num disco externo ou enviado pela Internet em vez de ir em bobines como antigamente, e hoje em dia modula-se uma mesa de som no computador e não como antes que cada estúdio tinha a sua mesa. Este pular daqui para ali nunca te criou receio na coesão final do projeto?
Foi uma escolha no sentido que se fosse para fazer isto da maneira tradicional, ao ir para um único estúdio, acho que não teria gostado tanto e não me teria desafiado. É uma coisa que eventualmente gostaria de tentar, mas sinto-me muito melhor em estúdios, ou espaços, com luz natural (raro em estúdios de música). A tecnologia hoje em dia está tão desenvolvida que qualquer sítio pode servir para gravar com alta qualidade, dado que se se saiba o que se está a fazer, ou o que queremos atingir. Ao fim do dia o que conta são as performances. Existem milhentas gravações de telemóvel espalhadas pela Internet que, na minha opinião, suscitam uma reação emocional tão grande como uma coisa gravada num grande estúdio. A consistência nunca me preocupou porque houve uma intenção inicial bem clara de como gravar os instrumentos e qual o papel que eles iriam ter no todo. Foi também uma circunstância porque os instrumentos que se foram gravando não estavam todos num só sítio. Por exemplo, na AMBI [Academia de Música da Banda de Ílhavo] gravámos as cordas, trio de sopros, trompas e percussão orquestral. Na Escola de Artes da Bairrada gravei a Mariana Miguel a tocar um piano de cauda preparado e o órgão de tubos da escola. Para outras gravações de piano, toquei no piano da Beatriz Capote (Perpétua e Equinócio). Recentemente, gravámos de uma forma mais cuidada um ensaio com cinco elementos da formação, todos a tocar baixinho, sem auscultadores, e a adaptar às dinâmicas e papéis de cada um. Gostaria de, no futuro, fazer um registo de originais assim, em vez desta estratégia tijolo-a-tijolo.

Tiveste uma residência na Lost in Pico (Açores), fizeste um curso na School of Song (orientado por Robin Pecknold, dos Fleet Foxes), obtiveste uma mentoria de produção e um apoio financeiro de gravação e mistura doado pelo próprio Robin. Como foi este caminho e o que aprendeste de mais valor, tanto humana como artisticamente?
Foi um caminho que foi demorado, mas agora consigo ver que tudo aconteceu na sua devida altura. A School of Song foi das maiores descobertas de sempre na minha carreira. Na altura estava um pouco desencantado com toda a questão de ser músico, e em particular de ser músico em Portugal, e frequentemente encontrava-me encostado à parede. Esse primeiro curso acabou por mudar tudo, não só pela razão óbvia de ter a validação de um dos meus ídolos e depois de receber uma mensagem dele a falar do apoio que ele queria dar, mas também por tudo o que aprendi e pelos amigos que fiz durante o curso. Alguns deles entram no álbum, outros já vieram inclusive a Aveiro, já produzi EPs de outros, gravei partes para alguns. Os fundadores da escola são grandes amigos e estão a dar um apoio fundamental também na partilha do álbum. Já fiz cerca de 10 cursos e encontro-me agora a fazer o curso do Brian Eno, que é possível que seja o maior da escola até agora. Há inúmeras estórias e lições que levo comigo de todo este processo, desde a residência, os cursos da School of Song, as colaborações dos músicos da nossa região, o aprender como se gravam quartetos de cordas ou pianos preparados, as dúvidas e o tempo que demorou. Mas a maior lição que levo, e que faz parte do conceito “WYSIATI”, é que mesmo que as coisas estejam muito más, há sempre um outro caminho e outra maneira de olhar para tudo.

-/-

Ainda sobre os Açores, quão importante foi para ti, enquanto homem, e para o disco, enquanto artista, essa estadia?
A residência no Pico foi a primeira viagem longa que fiz sozinho, apesar de não ter estado sozinho na ilha. Tive imenso tempo para estar lá a viver por mim, a explorar a ilha do Pico e do Faial. A música que fiz lá e que terminei nos meses seguintes está invariavelmente influenciada por tudo o que vi ali. Foi lá que comecei a maior parte das sementes que deram origem à maior parte das canções do álbum. Outras comecei e terminei no meu estúdio, mas mentalmente estava sempre com o pensamento na ilha. Em março de 2024, eu e a Inês Barreira voltámos lá para fazer algumas filmagens, e foi como voltar a uma casa. O Henry Simões, o meu amigo que é o dono da Lost in Pico, disponibilizou o material de filmagem e deu alguns conselhos de locais para filmar, e esteve sempre disposto a ajudar no que fosse preciso. Essas filmagens deram origem a algum do material visual do álbum.

O disco foi misturado e masterizado em Brooklyn, EUA. É algo que te faz subir ao céu e que deves espalhar – do tipo: “olha, tenho um disco misturado nos EUA!” – ou encaras isso como uma feliz consequência do teu trabalho e, como se diz, é só mais um dia no escritório?
É uma simples consequência do processo. Logo de início foi um ponto que falei com o Robin, que prontamente concordou que a mistura seria importante para o trabalho. Foi a partir daí que fizemos a divisão entre o orçamento para a gravação e para a mistura. Para o estilo de música que é, e havendo a oportunidade, fez também sentido que este tenha sido misturado por quem já trabalha no género há anos. O Phil Weinrobe, que misturou o álbum, lecionou dois cursos da School of Song, que eu também frequentei. Durante os cursos, ele explicou que ter um workflow definido, pensado e adaptado a cada um de nós, tanto na gravação como na mistura, é meio caminho andado para se ser mais produtivo, não só em termos de tempo, mas de rendimento. A tomada de decisões é mais consciente e intuitiva.
É fácil quando se tem um método, aprender o que resulta e afinar o que não resulta. Inevitavelmente, ele levou-me até ao Josh Bonati,que masterizou o álbum, com quem trabalha muito, e por isso todo o processo aconteceu naturalmente, sem atritos, onde ambos foram sempre muito respeitadores, mesmo eu sendo um peixe pequeno. O Josh acabou pouco mais tarde por fazer a masterização para vinil, e acertou logo à primeira. O facto de ser nos EUA acaba também por realçar a colaboração a nível mundial que aconteceu na fase de gravação, e que contribuiu para que o álbum existia tal como ele é.

Sabemos que classificas alguma da tua música como chamber-pop, um rótulo desconhecido para muita gente. Para quem não conhece, e para quem ainda não ouviu himalion, como caraterizas esse rótulo?
Chamber-pop é um estilo de fusão que é muito característico dos anos 1960. Não é de todo um estilo underground ou bizarro, apenas o nome não é tão conhecido. Tenho ideia que o Brian Wilson (Beach Boys) e o George Martin (produtor dos Beatles) foram dos maiores impulsionadores do estilo. Essencialmente trata-se da combinação de instrumentos do mundo pop-rock (guitarra, baixo, bateria) com elementos orquestrais (cordas, sopros, percussão orquestral). Além desta característica, é muito comum os álbuns de chamber-pop serem meticulosamente produzidos. “A Day in the Life”, dos Beatles, é um exemplo perfeito deste estilo. Hoje em dia é um estilo que está muito ligado ao indie-rock/indie-folk. Artistas como Sufjan Stevens, Fleet Foxes, Weyes Blood e Arcade Fire são bons exemplos contemporâneos. No caso de himalion, já no EP “EGRESS”, de 2020, se podem ouvir alguns elementos mais orquestrais. No entanto só agora, com “WYSIATI”, e muito graças ao apoio que o Robin deu, é que consegui chamar músicos para gravarem estes elementos orquestrais. É possível, ao longo do álbum, ouvir um quarteto de cordas, ou um trio de sopros misturados com um duo de trompas entre muitos outros elementos e detalhes. E é também um orgulho enorme a maior parte destes músicos, que tocaram estes elementos, serem da região de Aveiro.

-/-

Quem é himalion?
Diogo Sarabando tem 30 anos, é natural de Santo António de Vagos e é conhecido no mundo da música como himalion.
A sua família sempre esteve ligada à música, como é exemplo o seu avô materno, que foi baixista no conjunto Imperial. O órgão da irmã foi o primeiro instrumento que experimentou ainda em criança, tendo despertado definitivamente para esta arte quando aos 12/13 anos ouviu o primo a tocar os acordes da famosa “Smoke on the Water”, dos Deep Purple. Mais tarde, acabou mesmo por comprar um pack de guitarra elétrica e amplificador, não tendo mais parado a sua evolução e experiências desde então.
A sua ligação a Ílhavo começou essencialmente com o álbum “Blooming” (2021), apoiado pelo Programa de Apoio à Produção Local da Milha, do 23 Milhas. Assim, escolheu esta cidade para ser uma parte considerável das suas gravações futuras, que foram realizadas também na AMBI, localizada Casa da Música. Pouco depois dessas gravações, começou a dar aulas de guitarra, baixo e combo nessa academia.
Recentemente começou também a lecionar na nova escola Musicamiga, na Gafanha da Encarnação. Para além disso, três dos membros da formação de sexteto ao vivo são da Gafanha da Nazaré.
Com o novo álbum, grande parte das gravações foram feitas na Casa da Música (São Salvador) e nos Wakai Studios (Gafanha da Nazaré).

Entrevista publicada no jornal O Ilhavense, n.º 1365, de 15 de janeiro de 2025. Assine o jornal nesta ligação.

DEIXE UMA RESPOSTA

Please enter your comment!
Please enter your name here