Quem és tu, se não conheces o que te rodeia?

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Eu não sabia que Ílhavo tinha tantas andorinhas e andorinhões. De facto, tem muito mais do que isso. Nestes tempos em que a nossa vida se modificou de tantas maneiras pela presença do Covid-19, pensei em escrever soube outro acontecimento que mudou a minha vida. De forma menos repentina, é certo, mas de grande peso também.

Há dois anos, estava eu a terminar o meu secundário, a minha atenção repartia-se pela escola, família e amigos e as minhas atividades extracurriculares. Lembro-me, ao sair de casa, de reparar nas pessoas, na rua e nos veículos. Nada mais. E a minha visão parecia já estar bastante cheia. Alguns meses depois entrei na Universidade. Escolhi Biologia. Sempre gostei de Biologia, tinha boas notas, era interessante e tocava em certas temáticas ambientais, que eu achava que estavam a ser ignoradas. Sendo sincera, na altura não tinha uma ideia muito alargada daquilo que podia fazer com este curso. De certo modo, parecia que era uma profissão divergente…

Isso dá para quê, mesmo?

Bom, a primeira coisa que descobri é que nunca estou sozinha

É uma ideia potente, não é? Mas é verdade. A partir daí comecei a olhar para o céu para ver as andorinhas e os andorinhões. A cheirar o funcho à beira das estradas, a saborear um bocadinho de gramata-branca acabada de apanhar e a descobrir as carapaças dos caranguejos na maré baixa. A ver as cicatrizes das árvores, a reparar nas tocas, algas, fungos, e nos vários insetos que, deliberadamente ou não, passam por mim. Aprendi a reconhecer a presença das bactérias, archaea e vírus, que inevitavelmente estão comigo, esteja eu onde estiver… 

As paisagens naturais deixaram de ser apenas faixas enigmáticas servindo só para adornar os fundos de boas fotografias ou pinturas. Passaram a ser um mundo de organismos vivos que interagem entre si das mais variadas e incríveis formas. Parte da colonização de um planeta que leva consigo milhões de anos de evolução. 

E isto leva-me às próximas descobertas.  

Não somos autossustentáveis. 

Tornámo-nos muito bons a sobreviver, principalmente nos países “desenvolvidos”, e, por isso, pode parecer que conseguimos produzir tudo aquilo que precisamos. Mas ainda não produzimos o oxigénio que respiramos, fazem-no as plantas, algas e algumas bactérias. Não produzimos a terra onde cultivamos as nossas colheitas. Fazem-no os decompositores, como os fungos, e os detritívoros, como as minhocas. Não produzimos os frutos que comemos. Fá-lo o vento, a água e os polinizadores quando transferem o pólen de umas plantas para as outras. E estes são alguns exemplos. A sustentabilidade vem com a evolução. E a evolução, tecnológica ou biológica, é um jogo de tentativa e erro que leva tempo. 

Mas a nossa influência não tem de ser apenas destrutiva. 

Os usos que damos ao que nos rodeia determinam as interações que vamos ter com outros organismos. O ser humano, assim como outros animais, possui uma capacidade chamada “construção de nicho”, o que significa que é capaz de proporcionar condições para a instalação de outras espécies, seja com a construção literal de alguma coisa, seja com a destruição de outra. 

Por exemplo, ter terreno para agricultura, seja de que tipo for, implica “limpar” um espaço, destruir habitats. Mas ao escolher uma agricultura pouco intensiva, tradicional, permite-se a construção de paisagens como o Bocage, que alberga uma grande diversidade de espécies. A nossa grande falha, e que está na base de todos os problemas ambientais atuais, está na escala atual de consumo e no pouco valor que damos ao poder da biodiversidade. Biodiversidade essa que, como já vimos, está milhões de anos à nossa frente no que toca à evolução. Pegando no mesmo exemplo, com a escolha de uma agricultura intensiva, estas paisagens deixam de existir. Não só porque não há mosaicos de floresta por entre os campos agrícolas, mas também porque deixa de se “dar descanso à terra”. E o que este intervalo, em que a terra não está a ser cultivada, faz, é permitir a outros seres vivos colonizar aquele espaço e começar a interagir e adaptar-se, formando, com o tempo, um sistema sustentável.


Temos uma “herança ambiental”  

As imagens que temos da “Natureza” são paradoxais. Lembremo-nos do maldito Mar que mata e do bom Mar que sustenta. Tudo o que está vivo, para se manter como tal, tem de garantir condições de sobrevivência, seja de nutrição ou proteção. Tanto antigamente como na atualidade, o conhecimento do Mundo Natural é o que nos ajuda a sobreviver. Esteja ele na medicina, agricultura ou ecologia. 

Uma vantagem humana na corrida pela sobrevivência é a herança cultural e, neste contexto, “herança ambiental” como eu gosto de lhe chamar.  São os conhecimentos sobre o mundo natural passados de geração em geração, durante a nossa própria evolução, que abrangem desde as épocas de cada colheita, à identificação das espécies nativas, à ecologia de cada região. Textos, quadros, canções, performances, saberes. Cada cultura tem a sua. Tem sido esquecida e perdida, mas às vezes, pode ser um bom complemento à ciência.  

Respondendo à minha pergunta inicial, Biologia dá para vários caminhos. São Biólogos que identificam vírus, bactérias, parasitas e toxinas que podem tirar-nos a vida, ou oferecê-la, na forma de medicamentos. São Biólogos que identificam, estudam e tentam arranjar solução para as consequências ambientais que vivemos hoje. Mas, e é aqui que fica a grande razão pela qual Biologia me deixou diferente, são os Biólogos que conseguem provar que a coexistência Homem-Natureza não é impossível. 

Porque não estamos sozinhos, nem somos autossustentáveis, nem temos uma influência apenas destrutiva e porque faz parte de nós conhecermos o Mundo Natural.  

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