Pedro Rocha
Hoje, fui ao Mercado de Ílhavo almoçar. Ou melhor, aprender a comer uma refeição que me era estranha, para mim e para umas tantas pessoas que, ali, se sentaram. Todas, incluindo eu, exclamaram, “o quê? isso?! epa, não sei…”, e aquela senhora e aquele senhor, como quem sabe o gosto gastronómico da malta, lá traziam um pratinho e diziam “prove lá antes de escolher, não lhe vai ficar mais caro”. De facto, era excelente e, então, pedi o estranho prato do dia e um fino, dos maiores, porque a dose era grande, e o prazer é, sempre, uma coisa que se serve a dois.
Fiquei por ali umas boas duas horas, até porque já tinha começado antes da hora de almoço, a ler um manual de metodologias de investigação, enquanto esperava a roupa lavar-se e secar-se na lavandaria ao lado, e a desfrutar as conversas alheias e humoradas, que se adensavam com a chegada dos grupos de trabalhadores para almoçar. Perdoem-me as pessoas que escuto, que eu cusco, mas não há nada mais interessante do que estas conversas.
– “Epa, olha m’este vídeo que mandaram pro meu Facebook. Como é qu’ estes gajos conseguem andar cos tigres assim ao lado deles?”
– “Epa! Atão não sabes?! Esses tigres não são selvagens com’os outros. Esses só vivem no cativeiro e nem sabem o qu’é selva. S’os gajos fossem pa selva, morriam logo. Têm de viver assim até morrer, coitados!”
– “Mas porra, é preciso ter coragem pr’andar com um bicho deste tamanho ao lado. Olha, eu não era capaz!”
– “É Zé, desculpa lá, pá! Posso tirar esta cadeira aqui ao lado?”
– “Podes, podes… qu’eu só me sento numa de cada vez!”
– “Hahahahaha!!! Vai-te… Bom almoço! Também vou fazer o mesmo!”
São estas as conversas que gosto de ouvir. Fazem-me perceber como é importante espantarmo-nos com o (aparente) óbvio e com o estranho. Perguntarmo-nos as questões certas, que são sempre as mais simples, e colocarmo-nos no lugar do outro. Fazer piadas para meter conversa e para pedir licença, e vivermos juntos, sem atropelos, sem medos, sem distâncias.
Enfim, gostei de ter tomado a decisão de ir almoçar ao mercado.
Gostei de ver o comércio local a abrir-se, e gostei de ter pensado que, afinal, sou eu próprio que me tenho de abrir ao comércio local, pelo menos a este. Até ficou bastante barato e não paguei a prova. Gostei de ver as mesas da esplanada mais afastadas, apesar de ser mais difícil escutar as conversas dos outros, e gostei de concluir que há ali tanto espaço que podia ser melhor aproveitado, com mais mesas na esplanada… Quem sabe, até no jardim da frente.
Pensando agora, gostaria de ter almoçado com os pés na relva!