Aos domingos de manhã durmo. Talvez para vingar todos os domingos da minha infância que me foram furtados por esse estranho hábito do catolicismo. Hábito esse que, como se pode ver, não fez o monge. Aos sábados acordo cedo, não por qualquer vingança em particular.
O que há de singular no ar da manhã de sábado é uma certa indefinição. Os outros dias são, mais ou menos, previsíveis; agendados. Se tudo correr bem, claro. Vamos aprendendo, tenho vindo a reparar, a saber apreciar uma certa previsibilidade. Mas é útil também reservar um sábado para possibilidades mais vastas. E para isso, convém acordar cedo.
Felizmente, o vírus é mandrião e acorda tarde, lá para a uma. E, por isso, põe-nos a viver as manhãs de forma mais urgente, o que nem é mau. Ir ao cinema de manhã, a um concerto, à praia, ao mercado, são hábitos que talvez fiquem, são bons hábitos. O resto do dia torna-se um pós qualquer coisa que foi boa, retirando essa pressão, essa ansiedade de “aproveitar”, esse mantra do produtivismo moderno.
Quando era pequeno gostava mesmo de ir à missa aos domingos, na Vista Alegre. Brincava-se muito antes e depois, ali no largo, debaixo daquela árvore premiada, e até durante, meio à socapa. Há qualquer coisa de cinema italiano nessas recordações de crianças a fazer macacadas sob o olhar sisudo do Senhor, qualquer coisa de paroquial. Pequenos divertimentos de crianças pequenas em lugares pequenos. Muito mediterrâneo, como a dieta. E uma coisa boa desses domingos era que não havia tempo para cozinhar e ia-se buscar cozido a um sítio que já não existe chamado “O Provinciano”.
Há pontos no tempo que nos escapam, como aquele em que deixamos de acordar cedo aos domingos. Os hábitos aparecem e desaparecem como estes pequenos sítios que vendem cozido com um arroz que nunca esquecerei, apesar de já não me conseguir lembrar de qual o ano concreto em que se fechou aquele.
É preciso aproveitar as manhãs. Andar, ler, ver, ouvir.
Mas agora fecho a janela do quarto, que ficou entreaberta para deixar passar a luz que me acordou nesta manhã de domingo e volto para debaixo dos cobertores, que está frio, no sentido mediterrâneo do termo. E de luz e despertador desligados, prossigo para um sono leve, esvaziado já destas palavras, essas sim velhos hábitos, sobras de sermões dominicais dos quais nunca nos livramos completamente. E vendo-me de pijama, constato que, de facto, o hábito não faz o monge, está visto.