Foram três anos a liderar a Capitania do Porto de Aveiro. Que balanço faz?

Sim. Foram três anos de comissão de serviço, que é o tradicional. Eventualmente, poderia subir para um quarto ano mas, por razões pessoais e profissionais, saio neste ao fim de três anos. E também acho que é o q.b.. Quanto ao balanço, acho que devem ser as pessoas a fazê-lo. Levo os meus sentimentos, mas as pessoas é que devem fazer essa avaliação.

Esta capitania tem a fama de ser das mais exigentes do país, uma vez que não tem só a parte do mar, mas também a ria, com 50 quilómetros de extensão. Sentiu que assim fosse?

É uma capitania que tem uma área de jurisdição com 70 quilómetros de praia – desde Cortegaça até ao último esporão de Mira -, mas a praia só nos dá mais trabalho durante a época balnear, de 15 de junho a 15 de setembro. A ria é um pulmão. São 110 quilómetros quadrados de ria, na qual trabalham perto de 400 pescadores profissionais. Se alguma situação corre menos bem na ria, está minimamente controlada uma vez que, cá dentro, os pescadores dão uma grande ajuda.

Está a falar de situações de socorro, mas o trabalho da capitania passa também pela fiscalização…

O capitão do porto é também comandante local da Polícia Marítima. São a mesma pessoa, mas com dois chapéus. Trabalham em sintonia e muitas vezes não se entendem. Dormem juntos e não se entendem. Porquê? Porque o capitão do porto é um homem virado para a segurança para a salvaguarda da vida humana.

No primeiro fim-de-semana das minhas funções, tivemos uma situação em que era preciso fechar a barra devido a mau tempo. Fui à barra e vi muita gente na pesca lúdica, embarcada e em situação ilegal. Pedi à Polícia Marítima para os ir avisar, uma vez que quem anda nessas pequenas embarcações não recebe os alertas. E o que aconteceu foi isto: quando chegou a polícia, eles fugiram para fora da barra. Ainda bem que o mau tempo ainda estava para chegar. Tivemos de ir lá, com intercomunicador, alertar para entrarem.

Como eu costumo dizer, a Polícia Marítima tem um pirilampo azul, de polícia, e outro amarelo, de socorro. A Polícia Marítima e o capitão do porto sempre terão esse princípio: primeiro a segurança, depois a fiscalização.

E acha que teve os meios necessários para levar essas duas missões por diante?

Não há nenhum serviço do Estado, nem sem ser do Estado, que tenha todos os meios necessários. São cerca de 20 agentes da Polícia Marítima para 70 quilómetros de praia e 110 metros quadrados de ria. Ou seja, tem de ser muito bem gerido. Porque temos de ter sempre um piquete. Sempre que acontece qualquer coisa, são eles os primeiros a sair para o mar, faça chuva, sol ou mau tempo. Depois, temos a Estação Salva-Vidas, que sai logo a seguir – quando a situação acontece fora das horas de serviço -, para salvaguarda. Ou seja, vestimos a camisola uns dos outros e depois temos a ajuda dos nossos amigos, nomeadamente dos pescadores.

É importante criar parcerias, ligações com quem trabalha e vive da ria?

Aquilo que eu tive necessidade de fazer, sendo eu um homem que não era destas áreas – era operacional, de guerra e de combate; depois fui professor na Escola Naval e comandante do navio-escola Polar -, foi ter informação que me ajudasse. Cheguei aqui e senti a capitania muito fechada. Tive necessidade de juntar algumas pessoas. Sabia que a pesca lúdica era uma parte complicada e tentei arranjar aqui alguém que me ajudasse a compreender isto e a resolver alguns assuntos. Junto dos profissionais da pesca, através da APARA, fui percebendo que havia aí assuntos que eram considerados ilegais e eu fui tentar perceber porque é que eram ilegais.

Tentei também juntar-me às associações de surf, aos clubes náuticos, falar com os presidentes de câmara e os de junta. E acho que essa foi uma grande mais-valia.

Quais foram os momentos mais complicados da sua comissão de serviço na Capitania do Porto de Aveiro?

Pouco tempo depois de eu ter iniciado funções – cheguei a 12 de outubro de 2016 -, a 2 de fevereiro de 2017, registou-se um incidente na praia da Costa Nova, em dia de tempestade, com uma desaparecida, que é o mais problemático. Uma mulher, com dois filhos menores, da idade dos meus filhos. E ter de falar à comunicação social durante todos aqueles dias, a tentar apaziguar as almas dos familiares.

Depois, a 2 de dezembro de 2018, tivemos aquele caso do Molhe Norte, em que morreram três pescadores lúdicos. Recordo-me que quando estávamos ainda à procura do terceiro corpo, tínhamos pescadores lúdicos a mandarem-nos embora. Deviam estar tão vidrados na pesca que nem reparavam que estávamos em buscas.

Contudo, mais do que as mortes, gosto de realçar as vidas salvas. Desde outubro de 2016 até à presente data conseguimos salvar 28 pessoas.

Estamos a falar de salvamentos no mar e na ria?

Sim. No mar e na ria. Às vezes, os dias com maior calmaria são aqueles que nos trazem mais constrangimento. Quando estamos à espera que tudo vá correr bem e corre mal. Temos de louvar estes salvamentos feitos pelos nossos homens, o pessoal da Estação Salva-Vidas e o pessoal da Polícia Marítima, que estão sempre em prontidão para salvar as vidas humanas.

(Leia a entrevista na íntegra na edição em papel)

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