Foi à mesa que aprendi quase tudo o que sei. À mesa onde se almoça e onde se janta, entenda-se. A mesa onde se reúnem famílias e grupos de amigos, onde se come e onde se bebe; onde se conversa. Certamente, também as mesas da escola, da universidade e das bibliotecas ensinam um mundo de coisas, coisas sem as quais também não saberia nada. Mas sei que, se fui aprender alguma coisa a essas mesas, isso deve-se àquilo que aprendi “à mesa”. Às conversas que ouvi, aos discursos e às discussões, às histórias.

Foi à mesa que ouvi os mais acesos debates políticos – e que percebi que se pode, e deve, discutir e discordar daqueles de quem se gosta mais – que ouvi as primeiras histórias da História e das memórias, que ouvi as primeiras piadas, e que ouvi, como todos, os melhores conselhos.

Quando era miúdo ouvia com fascínio as conversas que se tinham à mesa. Aprendi a curiosidade a ouvir pessoas mais velhas a dizer nomes de coisas que não conhecia, e a perceber o que separava o que eu sabia daquilo que existia. Mais tarde encontrei esse abismo, essa consciência da ignorância, em livros, em professores, em filmes. Mas a mesa foi o primeiro e o principal lugar onde descobri esse entusiasmo pela minha pequenez. Com os mais velhos, que tinham vivido vidas cheias de histórias, de desventura, de peripécia; que sabiam contar essas histórias de uma forma altamente vivida, empolgante e estruturada; que tinham um dom de conversar sobre tudo, com encadeamento, com rapidez, com sabedoria; que discutiam e se exaltavam até alguém mandar uma certeira piada que repunha a harmonia.

Acho que o caminho que trilhamos na vida se mede muito pela forma como nos comportamos à mesa, e por aquilo que trazemos e levamos das mesas por onde passamos. Por isso nos honra ter os melhores à nossa mesa, e evitamos ter que a partilhar com pessoas desagradáveis.

Mas é egoísta e, pior que isso, insuficiente, fazermos as nossas mesas apenas em nossa casa. Devemos pôr mesas públicas na cidade, mesas onde aconteça aquilo que acontece nas mesas particulares. Onde se converse, onde se pense e onde se discuta, não com o distanciamento e a desresponsabilização de quem envia dichotes por via de uma qualquer plataforma digital, mas com o compromisso de quem assume posição perante os outros e diante dos outros.

Numa cidade que vive o Verão em frenesi gastronómico, põem-se muitas mesas, certamente. E estas são, não tenho dúvidas, palco para algumas destas conversas. Mas falta pôr outras mesas: mesas públicas, abertas a mais gente, mais orientadas para essa conversa pública que devemos ter, que forma consciências, que desperta pensamento e que ativa uma ideia de cidade com “c” grande.

Posta esta mesa, uma vez em torno dela, falemos. E, tendo um lugar à mesa, falemos de coisas que importam, sejamos pertinentes.

Há muita conversa para pôr em dia, para abrir, e muita gente para trazer para a mesa. Gente que não temos ouvido tanto como devíamos. Puxemos então das cadeiras e sentemo-nos, que estamos cheios de fome.

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