Aqui há um ano deu-me para começar a correr. Rapidamente percebi que não tinha nascido para tal e deixei-me disso. Mas durante um tempo, uns fins-de-semana, vá, entretive essa ideia de ser um desportista, daqueles que correm por gosto e que até evangelizam os amigos: “isto depois começa a ser viciante e não se quer outra coisa!”, dizia eu, com entusiasmo.

Ílhavo tem bons circuitos para correr ou para andar. Nas ciclovias, cruzava-me com muitos colegas fundistas: equipados, fluorescentes, em forma, seguros da sua passada. Quando isso acontecia, fazia-me mais esforçado, tentando assumir o semblante de quem estivesse a aguentar estoicamente uma corrida de quilómetros. Passados uns metros, com os ângulos de visão bem calculados e os olhares despistados, retomava o passo ligeiro, no conforto da solidão.

Numa dessas sessões de jogging, cheguei a ir até à mata da Murteira, introduzindo o corta-mato no meu circuito de treino. Isto aconteceu antes da última requalificação do espaço, por isso o mato ainda era verdadeiramente mato, daquele alto. Mas já o rio era o rio, ainda no seu natural assoreamento, e o sol a cair sobre ele já me permitia dizer: “valeu a pena fingir que corri até aqui”.

Depois voltei, meio a correr meio a andar, conforme a minha fraca condição ou o meu sentido de auto-imagem mo permitissem, chegando a ser ultrapassado por uma idosa ali para os lados da Chousa Velha.

Um dia chegou o frio a sério e uma série de outras boas desculpas, e uma combinação de castanhas assadas, entretenimento audiovisual e sessões escrita mais ou menos criativa tomou o lugar do exercício físico. Sobrou um certo sentimento de derrota, uma certa sensação de fraqueza pessoal, não tanto física como moral. O meu pai sempre me disse que já alguém lhe dizia que o exercício físico é uma actividade que mata os fracos e enfraquece os fortes. Sempre acreditei nisto, mas nunca imaginei que fosse acontecer desta forma.

Agora, que já não corro, vou andando – é o que digo às pessoas. Ainda finjo, disso não me livrei. Sobretudo em certas crónicas onde me falta assunto ou há assunto demais. Mas, tal como nas minhas curtas corridas-caminhadas por São Salvador, há sempre uma verdade intrínseca a esse fingimento, na procura por esse sol poente da Murteira a que vou chegando, com mais ou menos ficção. Porque correr faz bem (dizem) e, para o bem ou para o mal: fracos como nós, caros amigos, nós fomos feitos para correr.

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