As cores do nosso carnaval são uma tradição que não se esquece. Em Vale de Ílhavo, as ruas cheias de gente vinda de tantos destinos, junta todas as classes sociais, pequenos e mais velhos, mais ou menos entusiastas das lides carnavalescas, que se juntam para ver a criatividade, a emoção e a festa dos cardadores, que para além das saborosas padas e das mãos que lhe dão forma, são um dos mais belos cartões de visita do nosso concelho em geral e de Vale de Ílhavo em particular.

Os trajes característicos, as cores e os cheiros, os narizes em forma de falo, os toques e as tábuas que servem para transformar em festa aquilo que, no dia seguinte, seria muito mal visto. Os chocalhos tão peculiares desta festa que é única no país e no mundo. O trabalho que tudo isto dá, num tempo em que tantas vezes nos queixamos de ver passar a vida no balcão do café.

O carnaval popular em todo o seu esplendor e tão bem vivo na nossa terra. Um espetáculo.

Já não vejo os cardadores em Vale de Ílhavo há alguns anos. Na juventude – que coisa difícil de dizer – via-os quase todos os anos por esta altura. Nesse tempo – outra dificuldade temporal – era comum irmos em família, visitar um tio, da parte do meu pai, chamado Cândido Marta. Enquanto filho mais novo, coube-me durante muitos anos acompanhar os meus pais, na visita àquele familiar, pelo que esta altura era normalmente aproveitada para fazer ambas as coisas. Apesar de, durante muitos anos, ter visto e sentido aquela festa – que, enquanto criança, até me chegava a arrepiar – só mais tarde a entendi na sua plenitude. É uma festa dentro de outra festa. É um festival carnavalesco do mais popular que se conhece dentro do típico carnaval popular que ecoa por essas cidades, vilas, aldeias e lugares.

As fitas coloridas carregadas de perfume da marca Tabu são apenas mais um pormenor realmente cheiroso daquilo que nos traz esta festa. Os jovens que carregam os narizes, as fitas e as máscaras, têm também as suas particularidades que os assemelham a um quase culto. Até nisso, este exaltar da juventude em época carnavalesca é mais valioso, pois serve até para manter um certo plano misterioso sobre o que irá acontecer. Como dizia o Vida Extra do Expresso há alguns dias, «os cardadores são uma espécie de grupo secreto». Com «os seus rituais» escrevia Mia Tomé, «começam (…) exatamente trinta dias antes do dia do entrudo» a trabalhar nos seus trajes, que serão chamariz por excelência aquando da sua saída, para quando começarem a cardar quem lhes aparecer pela frente, nomeadamente jovens raparigas. Mas também rapazes, adolescentes e mulheres e homens de meia idade. Todos cabem dentro desta festa. Com um objetivo cuja nobreza não se coloca em causa.

E que nobreza é essa? As suas saídas à rua, nesta época, servem para trazer sorte da boa a quem conseguem cardar. Ou seja, mais do que vergonha ou receio, sempre que um cardador de Vale de Ílhavo lhe aparecer pela frente, vá apeado ou de bicicleta, aproveite. A sorte espreita e é necessária para os dias que distam da próxima saída à rua dos cardadores de Vale de Ílhavo, que ainda demorará pelo menos mais trezentos e sessenta e cinco dias. No fundo, aproveitar as coisas boas que a juventude nos oferece, que tanto trabalho dão e tantas horas para a sua preparação necessitam. E sendo grátis, não há como descurar esta sorte. Para o ano haverá mais.

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